Comissão da Verdade de SP faz audiências sobre crianças vítimas da ditadura

Elas usavam nomes “de guerra”, mudaram de casa com frequência e fizeram poucos amigos. Viviam clandestinamente no Brasil ou exiladas em outros países. Viram a mãe depois de ser torturada, o pai morto, ou esperaram sua volta em vão.

São crianças que viveram a ditadura militar no Brasil e que hoje, adultas, começam a contar sua história à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo. O colegiado realiza de hoje a sexta-feira a semana “Verdade e Infância Roubada”, com uma série de depoimentos de filhos de ex-presos políticos.

Uma das histórias que serão conhecidas é a da família do ex-deputado federal Aldo Arantes (PC do B), que se exilou em Montevidéu após o golpe de 1964, com a mulher Maria Auxiliadora. Lá nasceu, no ano seguinte, seu filho André. Ele e a irmã Priscila, nascida como clandestina no Brasil, em 1966, conheciam apenas seus sobrenomes falsos: Guimarães Silva.

“Quando eu tinha uns 10 anos, meu irmão descobriu uma caneta do meu pai onde estava escrito o nome do meu avô, Galileu Arantes. Então pensamos, como nosso sobrenome podia ser diferente? E foi nesse momento que meu pai nos contou que a gente vivia como clandestino porque eles lutavam por um mundo melhor”, relembra Priscila em entrevista à Folha.

Ela e André, aos 2 e 3 anos de idade, já tinham visto o regime de perto. “Em 1968 teve o AI-5 e, nesse momento, eu e meu irmão fomos presos com a minha mãe em Alagoas. Ficamos mais ou menos quatro meses e meio, mas não há nenhum documento que comprove isso.”

Mas para Priscila, a ficha só caiu no dia 16 de dezembro de 1976, quando o pai foi preso no episódio conhecido como Chacina da Lapa –cerco dos militares ao comitê central do PC do B, que funcionava de forma clandestina no bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo.

Por causa do episódio, a mãe ficou foragida, e André e Priscila foram viver com parentes distantes em Belo Horizonte.

No Presídio do Barro Branco, zona norte de São Paulo, o pai das crianças, Aldo Arantes, conheceu o também preso político Ariston Lucena, cujos irmãos Adilson, Denise e Telma viram o pai, Antônio Raymundo Lucena, ser assassinado em sua própria casa.

“Eu tinha uns 9 anos. Eles chegaram como uma pequena tropa, eram em torno de dez homens com armas compridas. Eu me lembro bem, fiquei aterrorizado”, conta Adilson Lucena, 52. “Depois que houve o tiroteio, eles entraram em casa. Uns diziam que iam nos matar, outros diziam que era para esperar.”

Após a morte do pai, as três crianças, então com 9, 9 e 2 anos, viram a mãe presa no DOI-Codi, percorreram delegacias, juizados de menores e instituições para menores infratores até seguirem para o exílio no México e em Cuba.

“Falar desse período é muito doloroso para nós. Mas vou falar, mesmo que seja duro”, disse Adilson. “Faz parte da minha história e da história do país que a gente viveu. Vou tornar pública para que, de alguma maneira, isso não exista mais no nosso país”, afirma Priscila.

Assim como Adilson e Priscila, também vão contar sua história pessoas como Eliana Paiva, filha do deputado cassado Rubens Paiva e presa aos 15 anos com a mãe; Paulo Fonteles Filho, que nasceu na prisão; Virgílio, Vladmir e Isabel, filhos de Virgílio Gomes da Silva, que passaram dias no DOI-Codi e no Dops quando a mãe foi presa e o pai, morto; e Janaína e Edson Teles, que viram os pais César Augusto e Maria Amélia serem torturados.

Para o presidente da Comissão da Verdade de São Paulo, deputado Adriano Diogo (PT), o envolvimento de crianças na ditadura brasileira “é uma história não contada, desconhecida e até certo ponto considerada proibida”, por isso a decisão do colegiado de reservar uma semana no calendário para dedicar ao tema.

“Na Argentina, as crianças da ditadura são um capítulo exclusivo, com as Avós da Praça de Maio. No Brasil, esse é um capítulo de que ninguém fala”, afirma o deputado.

 

Fonte – Folha de S.Paulo

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