Comissão ouve relatos de militares perseguidos durante ditadura

Em 27 de março de 1964, o fuzileiro naval Paulo Novaes Coutinho, então com 19 anos, foi enviado ao Sindicato dos Metalúrgicos, no Centro do Rio, com a missão de desalojar marinheiros que ocupavam o prédio.

Ao chegar ao local, ele e outros 22 fuzileiros tomaram a decisão que surpreendeu o Comando da Marinha: jogaram no chão os fuzis e se recusaram a atirar contra os colegas de farda.

O gesto foi visto como uma afronta pelos militares, que dias depois tomariam o poder, e significou para os 23 fuzileiros mais de 100 dias de prisão e a perseguição durante todo o governo militar.

Passadas quase cinco décadas, Novaes esteve ontem na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), no centro do Rio, para contar sua história. Durante 25 minutos ele relembrou as torturas e prisões que sofreu.

O relato fez parte da primeira audiência pública realizada pelas comissões da verdade Nacional e do Rio para apurar casos de militares perseguidos pela ditadura (1964-1985).

“Tenho orgulho de ser um fuzileiro naval e sempre terei. A primeira prisão foi em um navio adernado, em vias de afundar, com alimentação uma vez por dia”, contou Novaes relatando os anos de perseguição.

“Nós não valíamos nada. Os oficiais foram perseguidos sim, mas a base da pirâmide foi largada ao Deus dará”, afirmou.

Um grupo de trabalho criado na Comissão Nacional da Verdade calcula que 7.488 militares foram perseguidos e outros 30 foram mortos.

A comissão toma como base relatórios do projeto “Brasil Nunca Mais”, que apontam 6.500 perseguidos pelas Forças Armadas, e um estudo da historiadora Flávia Burlamaqui, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que contabiliza os 7.488 perseguidos.

A audiência pública foi motivada pelo depoimento do brigadeiro Rui Moreira Lima, em outubro de 2012, no qual ele relatou as perseguições e prisões que sofreu durante o governo militar. A intenção da comissão é, a partir dos relatos, levantar casos e identificar os responsáveis pela perseguição aos militares.

“O termo ditadura militar esconde essa situação paradoxal de militares que foram perseguidos e acabaram estigmatizados como traidores ou desertores”, afirmou Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio.

“Fui impedido de estudar no colégio militar, o que foi uma punição para mim. Aliás, não foi apenas meu pai que foi preso, foi toda uma família”, contou Pedro Luiz Moreira Lima, 63, filho do brigadeiro Rui Moreira Lima.

 

Fonte – Folha de S.Paulo

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