Em depoimento neste sábado (4) à Comissão Nacional da Verdade (CNV), no Rio, o coronel-aviador da reserva Roberto Baere contou detalhes da Operação Mosquito, conspiração de oficiais da Aeronáutica para matar João Goulart em 1961. O então vice, conhecido como Jango, estava prestes a assumir a Presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto, mas um grupo de militares de direita queria impedir a posse.
Goulart, do PTB, era apoiado por partidos de esquerda e identificado com o presidente Getúlio Vargas, que se matara em 1954 para reagir a pressões de setores golpistas ligados à UDN. Quando Jânio renunciou ao governo, em 25 de agosto de 1961, Goulart estava em viagem à China. Ciente da oposição da direita militar e civil, o vice demorou dias para voltar.
Só chegou em 31 de agosto e desembarcou em Porto Alegre, onde não corria riscos porque as tropas gaúchas eram leais ao governo, assim como seu cunhado, o governador Leonel Brizola (PTB), que montara uma rede de rádios para apoiar a sua posse na Presidência – a Cadeia da Legalidade. Mas Jango precisava ir para Brasília, o que só ocorreu em 5 de setembro, depois que um acordo político resultou na aprovação do parlamentarismo. O plano dos golpistas era abater o avião em que Goulart faria essa viagem.
Baere, então tenente do 1º Grupamento de Aviação de Caça da Base Aérea de Santa Cruz, na zona oeste do Rio, contou ter recebido ordens do comandante da base, o tenente-coronel Paulo Costa (que já morreu), para preparar os caças que seriam usados no ataque ao avião que transportava o vice-presidente. Baere e três colegas se recusaram a cumprir a missão e pediram para não serem escalados.
“Pedimos que ele não nos escalasse porque entramos nas Forças Armadas para defender a Constituição e não agredi-la.” O plano acabou não sendo colocado em prática, mas Baere passou a ser perseguido e foi punido três anos depois, já durante a ditadura, instituída pelo golpe de 31 de março de 1964. “Fui sumariamente expulso, após ficar 50 dias incomunicável na prisão, policiado na porta por um oficial portando metralhadora, como se fosse um marginal de alta periculosidade”, afirmou.
Durante a audiência pública, a CNV ouviu depoimentos de vários militares que se opuseram ao golpe e foram punidos. Em 25 de março daquele ano, sete dias antes da deposição de Goulart, o fuzileiro naval Paulo Novais Coutinho foi enviado ao Sindicato dos Metalúrgicos, no centro do Rio, com ordens para dispersar uma reunião da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais considerada ilegal pelo comando da Marinha.
“Eu era da Companhia de Polícia e fui, em um pelotão de 39 homens, para reprimir a reunião. Mas a assembleia estava apoiando Goulart e, em vez de combater os colegas, colocamos as metralhadoras no chão, entramos no sindicato e apoiamos o movimento”, narra. Coutinho acabou preso por 9 meses e expulso por indisciplina. “Só consegui voltar à Marinha em 1989, mas até hoje somos vistos com preconceito”, diz.