‘Nenhuma indenização vai pagar sofrimentos’, diz ex-militante em BH

Comissão da Anistia passou pela capital nesta sexta-feira. Parentes, amigos e políticos participaram do julgamento.

Wellington Moreira Diniz em meio à instalação com fotos de militantes mortos durante ditadura (Foto: Alex Araújo/G1)

 

A 69ª Comissão de Anistia do Ministério da Justiça julgou, nesta sexta-feira (24), em Belo Horizonte, processos de dois perseguidos políticos durante a época da ditadura. Mineiros que participaram da luta pela democracia também foram homenageados.

O ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) Wellington Moreira Diniz, de 66 anos, e o já morto Cecílio Emídio Saturnino, que era cabo da Polícia Militar (PM) – foi representado pelo sobrinho Reinaldo Nunes da Silva, de 56 anos – tiveram requerimentos avaliados. A comissão concedeu a anistia a Diniz, além da reparação econômica máxima, no valor de R$ 100 mil. Ao cabo Silva, a anistia também foi concedida. Ele também foi promovido ao posto de primeiro sargento da Polícia Militar de Minas Gerais.

Para Wellington Moreira Diniz, exilado no Chile entre 1970 e 1984, a anistia tem um valor “simbólico”. “Nenhuma indenização vai pagar nem as dores, nem os sofrimentos que a gente passou nos porões da tortura”, desabafou.

No caso do ex-militante, o valor da indenização se refere à perseguição sofrida entre outubro de 1968 a agosto 1979. Já o pedido de desculpas a Cecílio Emídio Saturnino se deu pelo episódio da perseguição como um todo, de acordo com a assessoria da comissão.O evento foi na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Centro da capital.

De acordo com o presidente da comissão, Paulo Abrão, a anistia é um ato de reconhecimento dos prejuízos que o país cometeu na vida das pessoas. “Trata-se do pedido oficial de desculpas. Isso significa uma reparação moral e, ao mesmo tempo, o reconhecimento do legítimo direito de resistência das pessoas contra a opressão”, disse.

Segundo ele, desde que a comissão foi criada, em 2001, cerca de 72 mil pedidos  já foram recebidos. Até então, 62 mil casos já foram apreciados, sendo 20 mil indeferidos e outros 42 mil deferidos.

Wellington Moreira Diniz afirmou que se trata de uma evolução histórica. “Se não tivesse existido a luta armada não existiria a democracia”. Ele criticou, ainda, a falta de punição para os militares que estiveram à frente da tortura. “Estão ai, andando livremente”. “Aqueles que construíram a história, realmente, estão no anonimato”, contou.

Atualmente, o mineiro mora em Sete Lagoas, na Região Central de Minas, e tem seis filhos, além de três adotivos, entre brasileiros, chilenos, italianos e angolanos.

À época da ditadura, Diniz era estudante do curso de Ciências Sociais da UFMG, e trabalhava como redator em um jornal. Ele participou de manifestações e atividades políticas contrárias ao regime militar.

O então cabo da PM Cecílio Emídio Saturnino era também militante. Saturnino ficou preso de 1970 a 1979, em Belo Horizonte, e em Juiz de Fora, na Região da Zona da Mata. Ele morreu em 1997, aos 67 anos.

Ronaldo Nunes da Silva representa o tio perseguido e torturado pelo governo militar (Foto: Alex Araújo/G1)

Para Reinaldo Nunes da Silva, sobrinho de Saturnino e representante da família, apenas a indenização, que pode chegar a R$ 100 mil, não é suficiente para cessar a dor dos parentes. “É preciso que se faça justiça, que os generais responsáveis pelas torturas sejam punidos, presos. Eles fizeram a ditadura mais sangrenta da América Latina”, desabafou.

Ainda, segundo ele, no caso do tio, que era cabo, a família pedia que o militar fosse promovido à patente de coronel. “Ele era uma pessoa intelectual. É preciso que ele também seja recompensado como se ele estivesse vivo”.

Silva contou que Saturnino foi torturado diversas vezes no antigo Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (Dops-MG). “Teve uma vez, em 1971, que eu e o meu avô fomos visitá-lo no Dops. Ele foi torturado no pau de arara, levou choque elétrico e teve agulhas enfiadas debaixo das unhas. Depois, ele teve as 20 unhas arrancadas”, relembrou.

Silva contou ainda que o tio era constantemente perseguido porque era chefe da Aliança de Libertação Nacional (ALN), grupo que opunha aos ideais do governo ditador.

 

A comissão que julgou os requerimentos contou com sete conselheiros. Entre eles, o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG).

Neste sábado (25), um monumento de homenagem aos perseguidos políticos e à luta pela anistia em Minas Gerais será inaugurado, na Avenida Afonso Pena, em frente ao antigo Dops. O símbolo é o primeiro de dez que serão erguidos pelo Brasil, do “Trilhas da Anistia”, parte do projeto Marcas da Memória da Comissão.

 

Fonte – G1

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