Discute-se agora se os torturadores e esbirros do regime de 1964 devem ou não se beneficiar da anistia que teria sido negociada entre a opressão e os oprimidos.
A razão final para as investigações e possíveis punições seria a condenação de todos os movimentos que atentam contra os direitos humanos. Uma advertência radical para que não mais se repitam tantos e tamanhos crimes.
Acontece que a lição tem destinatários complexos. Não se trata de punir o sargento Azambuja, o comissário Peçanha, o policial Noronha. Todos os criminosos, de agora e de outros regimes de força, alegam que cumpriram ordens. O trabalho da Comissão da Verdade está pecando pela horizontalidade das culpas, quando o importante é exibir para a história a verticalidade dos crimes.
A própria sociedade não está inocente. Ela não se manifestou adequadamente contra o primeiro Ato Institucional, que na realidade foi o começo de tudo. Somente no AI-5, mais de quatro anos depois, é que a sociedade tentou iniciar a reação que, acrescida à desmoralização e desgaste do próprio regime militar, resultou no funeral da ditadura.
Há um esquecimento generalizado do apoio que a sociedade deu ao golpe de Estado de 64. Imprensa, igreja, empresários e até gente do povo se alegraram com a tomada do poder pelos militares. De 64 a 68, as reações foram setorizadas e poucas. Quem quis e pôde manifestou-se contra a violência. Sem dar razão aos vencidos, condenou os vencedores. E pagaram por isso.
Por Carlos Heitor Cony na Folha de S.Paulo