Laudo da Comissão da Verdade desmente suicídio de militante

Um laudo pericial produzido para a Comissão Nacional de Verdade desmonta a versão oficial de que o ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) Luiz Eurico Tejera Lisbôa tenha se suicidado com um tiro na cabeça num quarto de uma pensão, em São Paulo, em 1972. Três peritos assinam o documento que contesta versão do regime militar sobre Eurico, primeiro desaparecido político a ter seu corpo encontrado.

Cena da morte de Luiz Eurico foi montada, diz perícia /foto: Reprodução

Ele desapareceu em setembro de 1972 e seu corpo foi localizado no cemitério clandestino de Perus em 1980, com nome de Nelson Bueno. Um ano antes, em 1979, Suzana Lisbôa, mulher de Eurico e que integrou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do governo federal, localizou o inquérito policial de Bueno, que teria se matado num quarto de pensão. Mas as fotos mostravam que tratava-se de Eurico. A partir daí, exumações foram feitas em Perus até ser encontrado um corpo com as características em que morreu Eurico.

A versão oficial diz que Eurico, com dois revólveres nas mãos, disparou cinco tiros a esmo antes de embrulhar uma das armas na colcha e disparar contra sua própria cabeça. Entre as inconsistências encontradas pelos peritos está no fato de que Eurico estava deitado e o alinhamento da colcha que o cobria era perfeito na sua dobra. O revólver, calibre 38, que teoricamente seria o utilizado para se matar e que estava na sua mão direita, se encontrava num plano distante da mão. “A posição da arma é incompatível com o que deveria ser esperado no caso da queda da arma, após um disparo realizado com a mão direita de Nelson Bueno” (Eurico). O revólver da mão esquerda era um de calibre 32. E ainda não houve confronto balístico entre as armas e o projétil recolhido no local.

O laudo aponta que, inicialmente, a cena de sua morte foi preparada para parecer resistência à prisão, com disparos efetuados pelo militante. “Mas, depois, o corpo, a colcha e as armas foram ajustados para que o local pudesse ser interpretado como de suicídio, mas os próprios vestígios existentes inviabilizam que o local seja interpretado como de suicídio”, diz o laudo, assinado pelos peritos Celso Nenevê, Paulo Cunha e Mauro Yared. Os três elaboraram outros laudos para a comissão.

Suzana Lisbôa, que prestou depoimento à Comissão da Verdade em novembro e também pediu a formulação do laudo, diz que, agora, tem certeza que Eurico foi morto.

— É muito duro esperar 40 anos para saber a verdade, ou parte da verdade. Sei agora, graças ao laudo, que ele foi morto. Mas como, por quem? Espero que a comissão possa nos dizer. Pior ainda são os que, passados mais de 40 anos, não sabem de nada – a não ser que morreram —disse Suzana Lisbôa. — Nós, familiares, somos discriminadas. Não somos as loucas, somos as que sempre cobramos respostas, somos as que lutamos por verdade e justiça durante todos esses anos.

 

Fonte – O globo

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