Saída de Fonteles pode dar novo rumo à Comissão da Verdade

A partir de agora, órgão deve trabalhar investigações em caráter mais sigiloso; ex-procurador era o principal defensor de maior transparência na comissão

A saída do ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles da Comissão Nacional da Verdade (CNV) não somente expôs uma crise interna, como deve mudar alguns rumos do órgão. A partir de agora, as investigações devem ocorrer em caráter mais sigiloso e os dados sobre eventuais descobertas somente deverão ser divulgados após suas conclusões.

Fonteles nega que tenha havido divergência com membros do órgão e que sua saída teria se dado em função de um choque de filosofia de trabalho. “A ditadura suprime a crise. A crise alimenta a democracia”, disse o agora ex-membro da Comissão da Verdade, que até então era responsável pelas investigações do funcionamento do Estado Ditatorial.

Fonteles, ao lado da advogada Rosa Cardoso, tentava convencer os colegas a dar maior publicidade aos trabalhos do colegiado. Os demais membros sempre foram contra. Essa corrente é liderada pela psicanalista Maria Rita Kehl e pelo cientista político Paulo Sérgio Pinheiro. Os primeiros problemas começaram há aproximadamente três meses, mas, nas últimas semanas, essas discordâncias se intensificaram.

Os membros que se dizem contrários à divulgação dos trabalhos afirmam que a publicidade de certos atos da comissão pode dificultar a tomada de depoimentos e de informações. Nesse aspecto, alegam que o maior prejudicado é o jurista José Paulo Cavalcanti Filho, responsável pela apuração de relatos de empresários suspeitos de terem financiado ações repressivas durante o Regime Militar.

“Certos depoimentos até podem ser públicos, como foi o do Ustra. Mas outros não. Um militar ou um empresário podem até nos ajudar. Mas se souberam que serão filmados, fotografados, eles não contribuirão em nada”, disse ao iG um membro da Comissão. “Muitos não entendem o seguinte: ao ser divulgar tudo, podemos dificultar as investigações. E, com isso, não conseguimos chegar à verdade de fato”, complemento

Além disso, um outro descontentamento entre membros Comissão eram as divulgações constantes dos trabalhos do órgão feitos por Fonteles. Isso, segundo certos membros, ia de encontro ao que foi estabelecido no início do funcionamento do colegiado. Qualquer ato seria divulgado apenas mediante autorização e consenso entre seus membros.

Também eram ponto de divergência entre os membros da comissão as conclusões sobre uma possível revisão da Lei da Anistia. José Paulo Cavalcanti e o advogado José Carlos Dias, por exemplo, não concordam com esse tipo de recomendação. Pelo menos antes do término dos trabalhos do órgão. Em maio, houve desconforto entre os membros quando tanto Fonteles quanto Paulo Sérgio Pinheiro divulgaram ou deram indicativos de que a Comissão da Verdade iria propor uma interpretação da Lei da Anistia brasileira conforme os tratados internacionais de direitos humanos. A saída de Fonteles do órgão, no entanto, não deve alterar a visão da maioria dos membros do órgão nesse aspecto.

Até mesmo a toca do secretariado executivo do órgão foi alvo de discussão entre eles. O secretário-executivo da CNV, Pedro Pontual, foi substituído pelo diplomata André Saboia. Isso gerou descontentamento porque, na visão de alguns membros, essa substituição afetaria a rotina administrativa do órgão, resultando em uma “perda de tempo”, nas palavras de um dos membros ouvidos pelo iG.

A saída de Fonteles é a segunda baixa na Comissão da Verdade. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, foi o primeiro membro a deixar o órgão. Até agora, a presidenta Dilma Rousseff (PT) ainda não indicou um substituto para Dipp. Membros da Comissão Nacional da Verdade de São Paulo brigam pela vaga deixada pelo ministro do STJ.

 

Fonte – IG

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