“Médici negou e eu não sabia de tortura durante a ditadura”, afirma Delfim Netto

Durante pouco mais de uma hora, na manhã desta terça-feira (25), o ex-ministro no período da Ditaura Militar no Brasil (1964-1985) Antonio Delfim Netto prestou depoimento à Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo.

O ministro da Fazenda (1967-1974) e do Planejamento (1979-1985) disse que não tinha conhecimento de nenhuma prática de tortura durante o período militar e que chegou a questionar o general Emílio Garrastazu Médici, presidente do Brasil de 1969 a 1974, sobre possíveis atos de violência contra opositores ao regime:

– Era 1971 quando perguntei ao Médici: Tem tortura?, e ele respondeu que não. O que havia era o combate nas ruas -, declarou o ex-ministro.

Sentado ao centro de uma mesa composta pelos vereadores Mario Covas Neto (PSDB), Juliana Cardoso (PT), Ricardo Young (PPS) e Gilberto Natalini (PV), presidente da Comissão, Delfim Netto respondeu às perguntas com declarações quase sempre encabeçadas por “não sei”, “não lembro” e “não tenho conhecimento”.

Segundo ele, o sistema militar não tinha nenhuma relação com a economia e com a parte civil do governo. “No meu gabinete, nunca entrou um oficial armado”.

– Tem que passar óleo de peroba na cara -, gritou uma das cerca de 50 pessoas que acompanhavam a sessão da plateia.

De lá, também assistiam ao depoimento de Delfim os vereadores Andrea Matarazzo (PSDB) e Nabil Bonduki (PT), além de Eliseu Gabriel (PSB), secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo na capital paulista. Nenhum deles fez qualquer intervenção durante a uma hora e quinze que durou a sessão.

Desde às 10h57, quando o depoimento foi iniciado, até quase o meio-dia, Delfim Netto afirmou que não sabia de empresários que financiavam ações da Oban, Operação Bandeirante, responsável pela criação de órgãos de repressão a movimentos políticos e sociais contrários ao regime, como o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).

Mesmo quando confrontado com documentos ou relatos de outros depoentes que garantiam saber de sua participação em reuniões ou encontros em que eram discutidas práticas violentas do governo, Delfim dizia que não se lembrava ou não tinha conhecimento de nada.

O ex-ministro afirma não ter se arrependido de assinar, em 1968, o Ato Institucional número 5 (AI-5), que extinguiu direitos civis, deu plenos poderes ao presidente-marechal Artur da Costa e Silva, fechou o Congresso Nacional, institucionalizou a censura prévia e suspendeu o habeas corpus em casos de crimes políticos, entre outras medidas.

E Delfim diz que faria tudo de novo.

– Se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco, eu repetiria.

Frente às negações de Delfim Netto, mesmo diante das poucas perguntas mais específicas, baseadas em documentos e relatórios feitas pelos parlamentares, o vereador Rubens Calvo (PMDB), que chegou à mesa pouco depois do início da sessão, fez o que, para ele, seria a última tentativa:

– Então o senhor diz que, mesmo participando do governo, tendo um cargo de extrema importância, como ministro da Fazenda e, depois, do Planejamento, não sabia de nada sobre as torturas que aconteceram durante o regime?

– Nada -, categorizou Delfim Netto.

– E o senhor não tem ninguém para sugerir que possa ajudar a Comissão nas investigações, para que a verdade venha à tona? -, pediu Calvo.

– Não. Não tenho ninguém -, completou o ex-ministro.

– Pela ordem, presidente! – Juliana Cardoso arrumou o microfone à sua frente – O senhor não tem coragem de trazer a verdade dos fatos. Se a gente se basear pelo seu depoimento, que você não viu e não sabe de nada, a gente não vai chegar à verdade nunca…

– A senhora se coloca como a dona da verdade, então -, retrucou Delfim.

Juliana apenas sorriu.

– É muito difícil a gente que, assim como eu, foi torturado durante a ditadura, acreditar que, no cargo que o senhor estava, o senhor não sabia de nada… -, disse Gilberto Natalini.

– Presto aqui minha solidariedade a você e sou a favor que se apure toda a verdade -, disse Delfim Netto, já com o semblante enfadado.

Anivaldo Padilha, pai do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e coordenador de um grupo de trabalho sobre igrejas na Comissão Nacional da Verdade, disse a Terra Magazine que Delfim Netto “cumpriu o papel que se prestou a fazer”.

– Ele se exime de qualquer responsabilidade, mas em nenhum momento convenceu.

Na saída da comissão, Delfim foi interpelado por um jornalista:

– O senhor não sabia mesmo da tortura durante a ditatura militar no Brasil, ministro?

– Não. Fiquei sabendo agora.

E seguiu para o elevador privativo. Estava com pressa para ir ao banheiro.

 

Fonte – Terra

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