Na África do Sul, após as tensões do apartheid, criou-se uma “comissão da verdade e da reconciliação”. Muito mais do que apurar culpas, se quis criar um clima de paz e harmonia, numa nova nação de iguais e reconciliados, onde todos se aceitam mutuamente e se perdoam. Parabéns a Mandela! Conseguiu um grande feito!
O Papa Paulo VI, na sua primeira encíclica “Ecclesiam suam”, lançou as bases do diálogo. O primeiro passo é o reconhecimento e o respeito pela posição de cada um, por mais divergentes que sejam. Vem, depois, a busca dos pontos de convergência para, finalmente, se promover uma conversa, num clima de paz e construção do bem comum.
No Brasil, após o período da ditadura, quem na época fora reprimido, conseguiu calcar o poder. Procedeu unilateralmente a uma apuração dos crimes. Infelizmente, a “comissão da verdade” aparece, na opinião pública, mais como uma “comissão de vingança” do que como uma “comissão de verdade”, que se situe no contexto de então. Falta a segunda e mais importante parte: a busca da reconciliação para se construir uma sociedade pacífica e harmoniosa, de acolhida recíproca, numa civilização do amor. Com esta comissão, não atingimos a fase da síntese. Apenas reforça a antítese.
Sirva de exemplo o Iraque. Ao vencer, pelas armas, não se teve nenhum interesse em pacificar o país. Procedeu-se à vingança. Saddan Hussein foi para a forca. Matando-o, porém, não se fez justiça. Matou-se um homem. Mas com ele se atingiu uma multidão que agora mostra que ainda não morreu. Acirraram-se os ânimos. Por que, em vez de eliminá-lo, não se lhe pediu que ajudasse a reconciliar a nação? É que a intenção não era a paz, mas a vingança.
O perdão certamente não é humano, pois os homens preferem e privilegiam a Lei de Talião. Dificilmente será concedido por quem não crê em Deus, Pai de todos. O Evangelho mostra a outra dimensão da vida humana: todos somos pecadores e, por isso, todos necessitamos de perdão. Só assim se consegue a reconciliação. Quando só se vê o mal nos outros e não se reconhece o próprio, só se acirram os ânimos e se prepara mais violência.
O amor, para se implantar entre os homens, teve que criar duas virtudes: a justiça, para garantir a cada um o que é seu, e a misericórdia, para acolher as pessoas lá onde não chega a justiça, uma vez que todos somos pecadores, com necessidade do perdão. Só assim se constrói uma sociedade reconciliada, com perspectivas de paz e prosperidade. A verdade e o amor constituem as duas colunas mestras que sustentam a vida humana na Terra.
Fonte – Jornal do Comércio