Lúcia Murat revisita a ditadura em A Memória Que Me Contam

Prestes a estrear em Salvador o seu novo filme, o drama A Memória Que Me Contam, a cineasta carioca Lúcia Murat, 64 anos, mergulha novamente no assunto da ditadura militar, dividindo experiências pessoais e de seus companheiros de geração.

O filme traz na sua história a reconstituição da figura da socióloga e ex-guerrilheira Vera Sílvia Magalhães, falecida em 2007 por problemas cardíacos. Uma mulher que foi musa da luta armada e que carregou a vida inteira sequelas dos tempos da tortura, incluindo crises renais e surtos psicóticos.

“Este filme estava na minha cabeça há 20 anos, mas, com a morte de Vera, senti a necessidade de realizá-lo, para falar dela, da sua dor e de todos nós que estávamos ali, no entorno dela, sofrendo junto”, revela Lúcia Murat.

A própria cineasta, integrante da guerrilha, foi torturada, presa duas vezes, permanecendo detida por três anos e meio, do início de 1971 até a metade de 1974. Em seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), em maio passado, a diretora contou que há dois anos pediu ao Exército para filmar as celas onde esteve presa e não foi atendida.

“Até quando vão esconder nossa história?”, indagou a cineasta no emocionado depoimento à CNV, que é mais um ato dos muitos que têm feito para que o assunto não seja esquecido.

Em 1988, ela lançou Que Bom Te Ver Viva, fita estrelada pela atriz Irene Ravache, que já falava sobre o drama das mulheres torturadas pela ditadura, mesclando documentário com situações encenadas.

Regresso – De certa forma, A Memória Que Me Contam é uma espécie de retorno a este filme. “Inicialmente eu pensava nele como uma obra cheia de conversas, mostrando o pensamento do nosso grupo”, conta Lúcia Murat, que prossegue: “Aí eu vi o filme de Denys Arcand e pensei: roubaram minha ideia”, brinca.

O canadense Denys Arcand filmou O Declínio do Império Americano (1986) e As Invasões Bárbaras (2006), obras verborrágicas sobre as utopias da geração dos anos 1960. Filmes que Lúcia Murat considera próximos da primeira ideia que tinha para A Memória Que Me Contam.

“A diferença é que no filme deles o sofrimento é apenas no campo das ideias, enquanto que nós somos uma geração que sofreu fisicamente”, diz Lúcia, complementando: “Também boa parte da minha geração está hoje no poder, eles não, e nisso somos bem diferentes”.

Ela lembra que tinha em mente Esperando Godot, peça do dramaturgo irlandês Samuel Beckett sobre a fadiga infrutífera da espera. “Só que aí me deparo com a situação dos nossos filhos, os filhos dos revolucionários, que não são alienados e têm ideias próprias sobre tudo que vivemos”, diz a cineasta.

Atualidade – A diretora conta que esta relação com o tempo atual, com a juventude, acabou fazendo a personagem de Vera Sílvia se impor. “Por isso é que a Ana (inspirada em Vera, pois a diretora preferiu trocar o nome) aparece sempre jovem, sempre rebelde, vivida pela Simone (Spoladore)”, diz Lúcia Murat. Para ela, este contraponto de tempo acrescenta lirismo e abre um diálogo com o jovem de hoje.

Sobre retomar a trajetória de Que Bom Te Ver Viva neste novo filme, Lúcia Murat revela: “O fato da protagonista se chamar Irene é porque eu escrevi mesmo pensado nela (Irene Ravache), para falar como estaria esta mulher 25 anos depois,”.

O tema do filme, segundo a diretora, é a sobrevivência. “Quem passou por tudo aquilo ingressou na vida muito tarde, na escolha da profissão muito tarde, porque o nosso foco antes era derrubar a ditadura, e a vida pessoal foi anulada por um tempo. Quis falar disto”, explica.

 

Fonte – Cineinsite

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