O Movimento Estudantil no Paraná – 68, o ano que foi uma vida

Quando se fala em movimento estudantil, logo o tempo recua 40 anos para assistirmos ao filme de 68, como um divisor de águas no imaginário das rebeliões, dos cercos policiais, barricadas, canções de protesto e irreverências nos costumes. Pode até parecer um exagero – o tempo não pára e outras gerações inquietas fizeram sua própria trajetória enfrentando soldados armados, amados ou não, ressuscitaram a UNE SOMOS NÓS em meio a correrias e gases lacrimogêneos.

Discute-se e até se comparam graus de orfandade pelas utopias perdidas. Este tempo, por pura mágica aconteceu naqueles raros momentos de alinhamento dos astros. Não se trata de discutir a estética nem o espetáculo, mas o emblema. Do porque 68 foi tão único na história da democracia.

Havia a guerra do Vietnam, tão desigual, tão insana. Bambus contra napalm. Em janeiro, os vietcongs surpreendem com a “ofensiva do Tet”e ocupam no ano novo lunar a embaixada americana em Saigon; em maio, milhões de estudantes e trabalhadores franceses tomam Paris, relembram o sonho da Comuna, agora por uma revolução cultural à busca de um novo destino. Em agosto foi a vez da sustentável leveza dos tchecos que, com flores e mulheres em minissaias, distribuíam panfletos aos sisudos invasores soviéticos. O frescor da revolução cubana, a febre do maoísmo. A terra, em transe. Março marcava o quarto ano do golpe militar. Havia um clima no ar. Nada a ver com o Brasil. Havia.

Em Curitiba, sem lenço, sem documento ouvia-se A Banda e o frenesi dos festivais, João do Vale pisando na fulô num tablado da Casa do Estudante, assistia-se no Teatro Guaíra, Liberdade, Liberdade! e – na febre do cineclubismo, – a Um Dia, Um Gato, Deus e o Diabo, Os Companheiros e Vidas Secas. E assim, mais rápido, foi fervendo o caldeirão arrogante do Reitor Suplicy de Lacerda, antes ministro da Educação de Castelo Branco que, de qualquer jeito, queria inaugurar na Escola Polítécnica o ensino pago no Paraná. O famigerado acordo MEC-USAID. Antes, como em todo o Brasil, os estudantes foram para a rua protestar contra a sanha da ditadura que havia matado a inocência do secundarista Edson Luis, no Calabouço. O ano de 68 começava a 28 de março. Apesar das divergências, foi um bom ensaio.

Por obra de um flagrante fotográfico, a luta dos estudantes na Escola Politécnica, ganhou repercussão internacional. Foram algumas centenas contra uma polícia armada com ganas de descarregar sua ira diante da ousadia de impedir a inauguração de um curso de engenharia pago numa universidade pública. A área, afastada do centro da cidade, era um imenso descampado no meio do campus ainda rarefeito, ideal para o exercício da cavalaria. Ainda assim os estudantes atiçavam os embrutecidos correndo em ziguezague, jogando rolhas de cortiça para tentar derrubar os cavalos, escapando pelos quintais de moradores assustados. A foto famosa que correu mundo e ganhou Prêmio Esso, foi Zequinha, estudante de medicina, enfrentando o cavaleiro de espada na mão, com um atiradeira (estilingue ou setra, conforme o apelido criado pelo guris). Alguns foram machucados, outros detidos.

Dois dias depois, a resposta foi surpreendente, pelo número de estudantes – uns três mil – e pela surpresa, pode-se dizer, também militar, no campo de operação. O embate, dessa vez foi dissimulado. Estrategistas, poucas lideranças e grupos de apoio se revezaram pela madrugada tratando dos detalhes. Pelas escolas, salas, cantinas e diretórios circulou o convite para a concentração, bem cedo, na Praça Santos Andrade, de onde saíam os ônibus para a Politécnica. Certamente a polícia estava lá acantonada. Mas tomou-se outra direção, a apenas dois quarteirões, onde fica a Reitoria da Universidade Federal do Paraná – símbolo político do arbítrio do ensino superior.

A ocupação foi cinematográfica e impressionante pela velocidade e entrosamento das iniciativas. Como formigueiro politizado, os estudantes tomaram de empréstimo dos trabalhadores de um prédio em construção, pés de cabra e outras ferramentas para retirar os paralelepípedos e rapidamente ergueram-se barricadas. Carros oficiais que por ali passavam eram imobilizados e um outdoor veio abaixo, com a mesma finalidade – barreiras de proteção. Os comandos eram feitos através de rádios, às 8 horas da manhã a Reitoria estava tomada e protegida. Enquanto a polícia chegava com infantaria e cavalaria, mais estudantes se aglomeravam num círculo externo. O momento mais dramático foi a derrubada do busto do reitor, narciso arrastado por jovens imberbes. Tiveram início as negociações, com mensageiros até a casa do Governador. Diante da iminente selvageria, prevaleceu o bom senso. E a gratuidade do ensino público. Os conflitos não pararam por aí. Este foi um feito que merece estar ao lado dos grandes acontecimentos que marcaram o ano de 1968 no Brasil.

O movimento estudantil do Paraná renasceu em 65 e tem características bem curiosas. À época do golpe a entidade mais importante, a UPE (União Paranaense de Estudantes), estava na mão da direita, diferentemente de outros lugares. Aos poucos, ano a ano, sua composição foi avançando. Em 66, uma chapa de transição e a de 67, uma composição com independentes e partidos de esquerda. O DCE, bem como os diretórios mais influentes como os de Medicina, Engenharia, Direito e Filosofia, e importantes unidades da Universidade Católica, neste período já estavam distribuídos entre as forças políticas mais reconhecidas, como o PCBR, AP, Dissidência Leninista e Polop, ou em mãos de lideranças próximas a estas correntes. A igreja progressista estava em ebulição. Certamente o PCB tinha alguma presença, mas pouco perceptível, então. O mesmo aconteceu com inúmeras faculdades isoladas em cidades como Ponta Grossa, Londrina e Maringá que aos poucos foram se alinhando com os grandes temas e lutas do movimento estudantil brasileiro.

Umas das disputas mais acirradas que animavam a luta estudantil no Paraná era a polarização em relação a propostas diferenciadas para o futuro da universidade, retomando o espírito das reformas de base preconizadas até antes do golpe. Um acalorado embate teórico acontecia em torno da “Universidade Crítica”, proposta pela Polop e grupos mais próximos às teses trotskistas e a “Universidade Popular”, puxada pela Ação Popular e que tinha certa proximidade com o PCBR.

Muitos militantes do movimento estudantil participavam de panfletagens nos bairros operários buscando a aliança com a “força dirigente da revolução” e deram reforços ocasionais ao incipiente movimento bancário. A eleição da UPE, num confronto acirrado entre dois subgrupos de esquerda, foi vencida pela Dissidência Leninista e aliados, mas pouco pôde exercitar: com a queda do 30º Congresso da UNE e imposição do AI-5, logo em seguida, colocou as entidades mais combativas na ilegalidade e muitas lideranças na clandestinidade. Restou a difícil opção entre reconstruir um movimento de massas e a resistência armada. De fato, o ano acabou a 13 de Dezembro. Nunca nevou tanto como naquele Natal.

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