Cidadãos, políticos e jornalistas foram alvo da Justiça Militar e da PF durante o regime ditatorial
Documentos publicados na internet pelo projeto ‘Brasil: Nunca Mais’ revelam investigações do regime militar no Amazonas envolvendo cidadãos, jornalistas e políticos da época, envolvendo a Justiça Militar e a Polícia Feedral (PF). Os dados estão disponíveis desde sexta-feira, no endereço eletrônico http://bnmdigital.mpf.mp.br.
Entre as ações julgadas no hoje extinto Superior Tribunal Militar (STM), consta um processos instaurado em maio de 1974, contra o então vereador de Manaus Fábio Lucena (MDB), depois eleito senador.
Ele foi alvo de um inquérito instaurado pela PF por causa de um discurso proferido na Câmara Municipal de Manaus, em que teria incitado a população a rasgar os carnês de cobrança do Imposto Predial Municipal. O então prefeito de Manaus, Frank Abrahim Lima, pediu ao superintendente da PF, Walkores Victoriano Barbosa, a investigação do caso.
Em julho de 1974, o vereador foi julgado e absolvido pelo discurso, sendo o processo remetido para a justiça comum, para julgamentos das acusações de ofensas morais.
Dois jornalistas amazonenses também foram alvos de investigação pelo regime militar. Responsáveis pela publicação do jornal ‘A Notícia’, o proprietário Manoel José de Andrade Netto e o editor Bianor Garcia foram investigados pela PF após terem publicado uma manchete que ocupou meia página no jornal, em março de 1971, com o título: ‘Empatada a partida: Revolução 1 x Corrupção 1’.
A matéria criticava decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que anulou ato do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE) negando diplomação a cinco políticos do Estado acusados de corrupção. Em julho de 1972, os dois jornalistas foram absolvidos pela Auditoria de Belém.
Em outubro de 1967, membros do Centro de Infantaria de Guerra da Selva (CIGS) prenderam o amazonense Carlos Washington de Gomes Botelho e o venezuelano Ricardo Gómez, acusados de vir a Manaus recrutar pessoas para formar uma guerrilha na região da fronteira norte. O interrogatório dos acusados foi conduzido pelo tenente coronel do Exército, Jorge Teixeira de Oliveira.
Em depoimentos aos militares, os dois confirmaram a intenção de alugar um barco para transportar ‘revolucionários’ para a Venezuela.
A consulta aos processos no site é antecedida pelo texto: ‘Parcela expressiva dos depoimentos de presos políticos e das demais informações inseridas nos processos judiciais foi obtida com uso de tortura e outros meios ilícitos, e não pode ser considerada como absoluta expressão da verdade’.
Documentos e matérias mostram período obscuro
Além de processos, o site também está divulgando os documentos oficiais e recortes de jornais da época do regime militar e também do período da democratização do País, entre o final dos anos 1970 e começo dos anos 1980.
Os dados revelam que em outubro de 1967, o tenente coronel Jorge Teixeira solicitou ao Departamento Estadual de Segurança Pública a instauração de um inquérito policial militar para constatar “indícios de atividades que compremetam a segurança nacional”. A solicitação foi feita após a prisão do amazonense Carlos Washington e do venezuelano Ricardo Gómez.
Em julho de 1970, uma carioca residente em Manaus foi presa e torturada, acusada de fazer parte da Ação Popular, grupo que combatia o regime de exceção.
Marta Maria Klagsbrunn tinha 23 anos e trabalhava como assistente de revisão da Enciclopédia Britânica.
No relatório elaborado pela 1ª Auditoria da Aeronáutica, a Ação Popular é classificada como o grupo que “melhor procurou sistematizar seus trabalhos de penetração e de aliciamentos em todas as camadas sociais”.
Naquele mesmo ano, Marta foi ouvida e declarou ter sido vítima de torturas no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no Rio de Janeiro, onde sofreu torturas físicas e psicológicas, sendo ameaçada de ter que dormir nua na rua e de presenciar seu marido, Victor Hugo Klagsbrunn, também ser torturado.
No acervo, consta cópia de uma reportagem do ‘Jornal do Brasil’ de 30 de outubro de 1985 sobre denúncia de que o comandante Militar da Amazônia, Octávio Medeiros, é apontado como um dos torturadores. Na reportagem, o militar não comentou a acusação.
Fonte – D24am