Ex-militares confirmam desaparecimento de bebês no Chile

O ex-comandante do Exército chileno, Juan Emilio Cheyre, falou pela primeira vez aos meios de comunicação sobre o caso de um menino desaparecido após o golpe de Augusto Pinochet (1973). Cheyre admitiu, na terça-feira (20), ter deixado um bebê de dois anos para adoção depois que os pais da criança foram mortos por soldados.

Juan Emilio Cheyre (dir.) e Ernesto Lejderman Ávalos (esq.) ficaram cara-a-cara em um programa da TV chilena

 

O militar afirmou que estava “seguindo ordens” quando levou a criança para um convento de freiras na cidade de La Serena, há quase 40 anos. O bebê era Ernesto Lejderman Ávalos, que estava com os pais, a mexicana María Ávalos Castañeda e o argentino Bernardo Ledjerman Konujowska, no momento em que foram assassinados.

“Minha única ação foi executar a ordem de entregar a criança para o convento, sabia apenas a versão oficial dada a nós por mais de uma década”, declarou Cheyre ao jornal El Mercurio.

Na época, a versão oficial dada para as religiosas que acolheram o bebê foi que os pais de Ávalos “se suicidaram com uma dinamite”. Eles eram ativistas de esquerda e fugiram para um povoado remoto, depois do golpe de Estado.

Ainda criança, o menino foi levado para a Argentina para ser criado pelos avós paternos, que acreditavam na versão que lhes foi contada de que os pais haviam morrido em um acidente de carro.

Aos 12 anos, Ávalos descobriu a mentira fazendo um álbum com recortes de jornais sobre a morte de seus progenitores. Em 2007, a 9ª Sala da Corte de Apelações de Santiago condenou os autores materiais dos homicídios qualificados à pena de dez anos e um dia.

“Jamais ocultei o meu passado e tampouco deixei de assumir minhas responsabilidades”, sustentou o ex-militar que disse ter sido “um mero” ajudante do comandante do regimento, Ariosto Lapostol.

Em entrevista exclusiva para o canal 24Horas do Chile, Lapostol disse ter dado ordens para um capitão verificar um casal de estrangeiros que vivia em Valle del Elqui. “Ordenei que fosse com uma patrulha ver do que se tratava, porque não ia mandar prendê-los somente pelo fato de serem mexicanos ou argentinos”, afirmou.

O ex-comandante sustentou que “o argentino e a mexicana dispararam contra os militares” e que foi essa a história que estes contaram ao chegar. No entanto, a Justiça chilena acredita que o suposto enfrentamento nunca aconteceu. Segundo a sentença da Corte Suprema, os militares atuaram contra uma família indefesa, desarmada e em inferioridade numérica.

“Eu poderia ter me desfeito do menino, poderia ter dado para adoção a um casal chileno que não tinha nenhum filho, dizendo-lhes ‘coloque-o Juan Perez e não digam nada’”, disse Lapostol.

 

Encontro cara-a-cara

Ernesto Lejderman Ávalos e Juan Emilio Cheyre ficaram cara-a-cara, na terça-feira (20), em encontro organizado pelo programa El Informante, da TVN do Chile.

“Estou aqui por duas pessoas, Bernardo e Maria, meu pai e minha mãe: por sua memória e pela justiça, que ainda não foi feita. Não desejo a ninguém o que meus pais viveram”, disse Ávalos, que em seguida questionou a Cheyre o motivo pelo qual não deu informações sobre vítimas do regime militar durante seu mandato como comandante do Exército entre 2002 e 2006.

“Se soubesse de algo mais sobre o caso de Ernesto, teria dito. Não omiti nada ao assumir os crimes do passado. Tudo o que podíamos saber sobre isso foi falado”, justificou o ex-militar.

Ávalos relatou que seus pais chegaram ao Chile atraídos pelo “caminho ao socialismo por uma via pacífica e vieram viver esse processo”.

“O que quero é que os militares que tiveram participação real nos acontecimentos tenham condenações de acordo com o que foram esses crimes”, declarou ele.

Durante o programa, Ávalos pediu ainda que Cheyre rompa com os pactos de silêncio sobre a localização de desaparecidos, que o militar disse desconhecer.

 

Repercussão do caso

Nesta quarta-feira (21), a vice-presidenta do Partido Socialista do Chile, Carola Rivero, entregará uma carta ao ex-chefe do Exército, Juan Emilio Cheyre, solicitando que ele entregue antecedentes dos paradeiros de filhos de presos e desaparecidos na época da ditadura.

Também solicitará ao atual comandante, Juan Miguel Fuente-Alba, que abra um período de investigação sobre a eventual entrega de crianças e recém-nascidos para adoção ou qualquer forma de custódia.

 

 

Fonte – Vermelho

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