‘É difícil’ solucionar desaparecimentos, diz novo coordenador da Comissão da Verdade

O novo coordenador da CNV (Comissão Nacional da Verdade), advogado e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias reconheceu na tarde desta terça-feira (27), em entrevista coletiva à imprensa em Brasília, que é “muito difícil” para o grupo encerrar seus trabalhos até o ano que vem com as respostas sobre as principais violações dos direitos humanos na época da ditadura militar (1964-1985), como identificar os autores dos assassinatos e localizar os restos mortais dos desaparecidos políticos no período.

Dias foi escolhido na segunda (26) pelos outros quatro conselheiros na CNV como o novo coordenador, cargo que vem sendo ocupado em forma de rodízio entre os conselheiros. A lei que criou a comissão, em novembro de 2011, diz que ela tem “a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado”.

O prazo previsto para a CNV concluir seus trabalhos é maio de 2014, mas deverá ser dilatado para novembro do mesmo ano.
Indagado sobre as chances de a CNV apontar, por exemplo, o destino das ossadas dos guerrilheiros do Araguaia e das dezenas de desaparecidos durante a ditadura, além de elucidar casos como o atentado no Riocentro, em 1981, o coordenador admitiu: “É muito difícil. Muito difícil porque se passaram 40 anos. Um número muito grande de agentes da repressão está morrendo. Ainda hoje nós falávamos de uma pessoa que estamos querendo ouvir e está com 90 anos. Isso tudo dificulta”.

Dias afirmou, porém, que “muita coisa já foi levantada” por outros grupos de recuperação da história. “O trabalho que a comissão de mortos e desaparecidos realizou é extraordinário e se encontra num livro importantíssimo que é o nosso breviário. Todos os nossos trabalhos nós tomamos como referência esse livro. E o livro feito pelas famílias de mortos e desaparecidos. São dois volumes importantes. A Comissão de Anistia também realizou um trabalho extraordinário. Nós estamos trabalhando em cima disso, não estamos criando uma novidade”.

Por outro lado, Dias afirmou que a CNV tem se empenhado em “desenvolver novos campos e estamos conseguindo novas conquistas”.

Uma das apostas da comissão é um banco de dados formado até aqui por cópias de 584,549 mil documentos produzidos no período e arquivados em diferentes órgãos do Estado, como o Arquivo Nacional de Brasília.

O trabalho é coordenado pela consultora da CNV e cientista política Glenda Mezarobba, em parceria com o professor do IME (Instituto de Matemática e Estatística) da USP (Universidade de São Paulo) Roberto Marcondes Cesar Junior.

A esperança da CNV é que o sistema ajude a identificar, na própria massa de documentos que vêm sendo coletados desde o início da comissão, indícios sobre o paradeiro de desaparecidos e principais agentes envolvidos no crime.

José Carlos Dias afirmou que a CNV pretende ouvir nos próximos meses um total de 348 agentes da repressão ou pessoas que de alguma forma colaboraram com a repressão. Alguns deverão ser convidados, outros poderão ser convocados, e sua presença na CNV garantida com apoio de agentes da Polícia Federal. Os membros da CNV mantiveram reunião com a direção-geral da Polícia Federal para pedir apoio nesse sentido.

Indagado sobre o grau de colaborações dos comandos das Forças (Exército, Marinha e Aeronáutica) na localização e identificação dos agentes militares da repressão, Dias afirmou que o apoio “varia” de caso a caso.

“Às vezes sim, às vezes não. Nós estamos mantendo o diálogo. E esse diálogo alcança qual objetivo? Demonstrar que o golpe de 1964 não foi o golpe militar, mas civil e militar, e que portanto a responsabilidade pela ditadura não é só dos militares, mas também da sociedade, dos civis que sustentaram a luta para a derrubada do governo, da democracia. E aí houve participação sim dos civis, de empresários, de várias forças sociais, indiscutivelmente. Portanto o que queremos mostrar e sensibilizar é que os militares de hoje não podem ser responsabilizados por aquilo que foi feito pelos seus antecessores e portanto eles devem colaborar e eu acho que isso vai se conseguindo conquistar a crença de que é a hora de passar a história a limpo. E que portanto não cabe o espírito de corporação de defender aqueles que praticaram as violações dos direitos humanos daquela época”, disse Dias.

A Folha indagou quando os comandos das Forças colaboram e quando não colaboram, mas o coordenador desconversou: “Caso a caso, é difícil, eu não seria honesto de dizer que há uma colaboração total e eu também não seria honesto de dizer que não há colaboração. Está havendo o diálogo, estão colaborando em muitos casos para a elucidação de fatos e temos aqui assessores que estão mantendo esse tipo de trabalho, em contato com altas esferas militares”.

O novo coordenador também comentou recentes rusgas entre membros da CNV. Ele disse que não há desavenças, mas “temperamentos diferentes”.

Sobre eventual revisão da Lei de Anistia, o que é defendido por parte dos conselheiros, Dias disse que é contrário, mas que a comissão tomará uma decisão única, “no momento oportuno”.

“Não temos que entrar nesse debate, nessa discussão. Temos, isso sim, que reescrever a história e dizer ‘olha, fatos ocorreram dessa forma’. Não temos que ter como bandeira revogação ou reinterpretação da lei da anistia. Não, é dar um basta para o que aconteceu, reescrever a história e daqui para frente podermos garantir que nós nunca mais teremos necessidade de anistia porque não teremos mais ditadura, é o que se espera”.

 

 

 

Fonte – Boainformação

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