Uma casa para não esquecer nosso passado

Inaugurado o Memorial da Resistência reúne conteúdo relacionado à Ditadura Militar no Ceará

As paredes foram cuidadosamente “descascadas”, uma camada de tinta após a outra, até revelarem acontecimentos passados cujas consequências até hoje reverberam na sociedade brasileira. Inscritos no concreto, lá estavam nomes, palavras de ordem e calendários que contavam os dias para o fim daquele sofrimento.

Espaços do Memorial: inscrições em paredes, fotos e depoimentos Foto: Nely Rosa/ divulgação

 

Essa é um dos conteúdos que integram o acervo do Memorial da Resistência, novo equipamento cultural municipal, ligado à Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), a ser inaugurado hoje. O espaço é voltado ao resgate e preservação de parte da memória do período da Ditadura Militar no Ceará.

Localizado no prédio da Secultfor, antiga sede da Polícia Federal, o Memorial inclui duas celas e uma solitária restaurados da estrutura original, por onde passaram presos políticos do regime.

Dividida entre esses espaços e outro salão está a exposição permanente Arquivo das Sombras, com as mencionadas marcas físicas deixadas pelos presos, registros fotográficos e depoimentos.

O material foi produzido e reunido a partir de contribuições das entidades Os Aparecidos Políticos e Associação 64/68, além do Arquivo Público do Ceará, Museu da Imagem e do Som e Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel.

“O projeto recuperou duas das celas do prédio, no andar de baixo. Eram espaços utilizados para violação de direitos humanos durante o regime militar. Na solitária aconteciam torturas, como o afogamento. Para o Memorial, realizamos um projeto museográfico (assinado pelo museógrafo Xico Aragão) para dar essa dimensão”, explica o coordenador de Patrimônio Histórico e Cultural da Secultfor, Alênio Carlos.

“No caso das paredes, foi feito um trabalho de prospecção, retirando as sucessivas camadas de tintas e outros elementos, até chegar à superfície original. Encontramos, então, os registros feitos pelos presos, inscrições de calendários, frases, palavras de ordem. Foi um achado fantástico”, comemora.

Nas celas, foram colocados dois tablets com conteúdos relacionados ao tema, entre depoimentos, matérias de jornais e documentos de processos. Há ainda a parte de áudio, com discursos da época, por exemplo.

Pesquisa

No diminuto espaço da solitária, foi instalada uma projeção. Já a exposição fotográfica foi montada em um salão próximo às celas, com imagens do prédio antigo, entre outros registros relacionado ao período – de 1964, ano do golpe, até a redemocratização do País.

“Houve toda uma pesquisa para reunir e organizar esse material, com apoio dos equipamentos e entidades, além de contribuições individuais, como de Valter Pinheiro (membro do Comitê Memória, Verdade e Justiça)”, esclarece Alênio Carlos.

O projeto já era uma ideia antiga do Comitê, de pelo menos 10 anos. Sua formatação foi iniciada ainda na gestão municipal passada. A partir da semana que vem, estará aberto à visitação – num primeiro momento, mediante agendamento prévio. “O Memorial dimensiona esse contexto da Ditadura Militar no Ceará, funciona no sentido de publicizar para que as pessoas entendam o que aconteceu e deem valor ao processo de redemocratização do País”, avalia Alênio.

“Ao mesmo tempo, simboliza uma época de forte resistência. É uma dívida que temos com esses presos políticos”, complementa o coordenador.

 

Contribuições

A solenidade de abertura acontece no Teatro Antonieta Noronha e contará com apresentação da aula-espetáculo “É Proibido Proibir”, do ator, dramaturgo e pesquisador Ricardo Guilherme.

A montagem faz alusão aos 50 anos do Golpe Militar (1964-2014) e uma retrospectiva da história brasileira dos anos 1960-1970 até a atualidade. Na ocasião, também haverá uma fala de Valter Pinheiro. Toda a programação é aberta ao público.

“Em março deste ano vários companheiros começaram a dar seus depoimentos, no Museu da Imagem e dom Som. O Xico Aragão coordenou esse processo”, conta Pinheiro. O material foi somado a outros recolhidos em diferentes entidades e órgãos.

“Eu mesmo tinha fotografias do prédio antigo que foram aproveitadas na exposição, feitas por mim na década de 1980”, adianta.

“O Memorial surge com uma importância incalculável, ao resgatar histórias de um período cujas informações ainda estão muito escondidas, com conteúdo que servirá a pesquisas sobre o tema, para escolas e Universidades”, avalia Pinheiro.

Segundo Alênio, a ideia é, mais à frente, somar outras contribuições ao equipamento. “O Memorial não terá sentido estático, a meta é fazer dele um receptor de informação, alimentá-lo com novos documentos e depoimentos”, adianta o coordenador.

 

Mais informações

 

Inauguração do Memorial da Resistência – Exposição Arquivo das Sombras. Hoje, às 18h, na Secultfor (R. Pereira Filgueiras, 4, Centro). Contato e agendamento de visitas: (85) 3105.1291

 

Fonte – Diário do Nordeste

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