“Minha tortura começou com tapas na cara dada pelo Coronel Ustra em São Paulo. Depois de vários dias de tortura, como não falei os nomes dos companheiros da direção nacional do PORT, trouxeram a minha esposa e a torturaram com choques elétricos, na minha frente. Como posso esquecer isso?”, disse o economista Martinho Campos.
A quinta audiência pública da Comissão Estadual da Verdade, que aconteceu na manhã desta quinta-feira (19), na sede da Associação Paraibana de Imprensa (API), recebeu dois militantes políticos presos durante o período da ditadura militar. O economista Martinho Leal Campos e o empresário Washington Alves deram seus depoimentos e responderam às perguntas dos membros da Comissão e do público presente na audiência.
O economista, artista plástico e colaborador em diversos veículos de comunicação da Paraíba, Martinho Leal, contou que em 1963 ingressou em um movimento chamado ‘Vanguarda Leninista’. No ano seguinte, com o início da ditadura militar, buscou refúgio em Recife fugindo da repressão, onde ficou até novembro de 1964, quando foi preso pelo DOPS-PE. “Eu fui preso em casa, Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, numa prisão violentíssima. Alguns dos companheiros que moravam comigo conseguiram fugir, mas eu fiquei preso em arame farpado, além de ter levado um tiro na perna”, relembrou.
Em sua primeira prisão, Martinho disse que as ferramentas de repressão da ditadura não tinham a ‘sofisticação’ que ganharam anos depois e consistiam apenas em pauladas e pancadas, conhecidas como ‘pau louco’. Depois de passar um dia em uma delegacia de bairro, foi levado para a sede do DOPS, na Rua da Aurora, onde teriam começado a ‘violência de verdade’. “Quando nós chegamos foi uma retomada da senha de torturar. Eles queriam saber quem eram os militantes, apesar de já terem prendido muita gente na Paraíba”, explicou.
Em seguida, Martinho foi transferido para o 15º Batalhão, em João Pessoa, onde ficou sob a tutela do major José Benedito Vaz dos Magalhães Cordeiro, que comandava a repressão no Estado.
“Sofremos violência psicológica extrema, mandavam jogar água na gente de meia em meia hora pra gente não conseguir dormir. Com isso, eu quero desmistificar a história de que na Paraíba não houve tortura, porque tortura não é só maltratar fisicamente, mas também psicologicamente. A tortura psicológica se reflete fisicamente também”, disse o economista. De João Pessoa, ele foi enviado para Fernando de Noronha e novamente para Recife, até ser solto e mudar-se para São Paulo.
Na capital paulista, Martinho trabalhou como metalúrgico até 1972, militando em um partido, quando foi preso pela segunda vez. “A tortura, nesta época, já era sofisticada, já que os militares passaram por treinamentos com os norte-americanos. Fui torturado pelo diretor do DOI-CODI em São Paulo, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, com todas as técnicas que eles tinham à disposição, como o pau de arara, choques elétricos, afogamentos, crucificação”, lembra.
Em 1974, após período no Presídio do Carandiru, foi libertado, voltando a João Pessoa e retomando a faculdade de economia. Durante a audiência, Martinho fez questão de reafirmar a importância da Comissão da Verdade para evitar novas violações de direitos humanos. “A Comissão tem um papel fundamental para a sociedade, já que precisamos que as coisas sejam esclarecidas, inclusive com uma ação efetiva da justiça. Com esta memória, temos de evitar que as torturas continuem contra a sociedade, porque elas não cessaram naquela época. Hoje ela acontece contra os presos, pobres, negros, homossexuais, então nossa luta é para que este crime hediondo deixe de existir no Brasil”, finalizou.
O outro depoimento foi do ex-líder estudantil secundarista de 1968, Washington Rocha, teve sua matrícula suspensa em 1969, no Colégio Liceu Paraibano, e o indeferimento de sua matrícula na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) por vários anos. “Fui preso em novembro de 1970 pela Polícia Federal, e, em 1974, fui sequestrado e levado para Recife onde fui torturado com choques elétricos e muitas pancadas durante dias”, relatou Washington.
Lamentou que, na época do sequestro, tinha finalmente conseguido matricular-se no curso de medicina da UFPB e não voltou mais. “Fiquei transtornado. Decidi então criar lutar pela anistia, quando conseguimos fundar o Comitê Estadual da Anistia aqui na Paraíba, realizando várias manifestações de ruas até conquistarmos a anistia”, disse Rocha.
Para o presidente da Comissão e professor do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Paulo Giovani Nunes, as reuniões geram documentos que se somam a um relatório final, que servirá de base para estudo de futuros historiadores sobre este período. “As pessoas têm de conhecer todos os fatos e suas interpretações, e é isso que queremos com a Comissão. Buscamos esclarecer os fatos, ajudando a recuperar a memória histórica e evitando que períodos como este voltem a acontecer”, disse.
A Comissão foi criada pelo governador Ricardo Coutinho por meio do Decreto nº 33.426/12 e tem a missão de investigar crimes de violação dos direitos humanos praticados por agentes públicos contra paraibanos, durante o período da ditadura militar.
Fonte – CEV/PB