Livro conta a luta das mulheres paranaenses durante a Ditadura Militar no Brasil

O período da Ditadura Militar no Brasil foi uma época marcada por repressão, torturas e agressões aos opositores. A reportagem do Ilustrado conversou com as jornalistas Suelen Loriany e Laura Beal, autoras do livro “Sem liberdade eu não vivo – mulheres que não se calaram na ditadura”, que foi vencedor do Prêmio Sangue Novo de Jornalismo este ano. A obra retrata a luta de mulheres paranaenses contra o regime linha dura.

Ilustrado: Como foi o processo de escolha da temática do livro? Vocês já tinham alguma afinidade com ela?

Suelen: Buscamos mostrar uma versão feminina da história que basicamente é mostrada por homens. O livro é um livro-reportagem perfil, que conta a história de seis mulheres do Paraná que lutaram contra o regime militar que iniciou em 1964. Nos baseamos primeiramente em um momento em que a presidenta Dilma, que participou dessa luta, falou sobre o tema e contestou um senador (Agripino Maia) que questionou as atividades clandestinas que ela participou na época. Depois de rebatê-lo, Dilma falou que mentir na ditadura é uma questão de sobrevivência e que ele jamais saberia o que era ter 19 anos e ser barbaramente torturada por quem teoricamente deveria protejê-la. Nos questionamos então sobre a existência de centenas de garotas que, como a presidenta, passaram pelos porões da ditadura e que até hoje não temos conhecimento de suas histórias. Buscamos encontrá-las e saber o que motivou essa luta e o que isso representou para a liberdade da mulher como um todo. A Laura tinha mais afinidade com história, e eu vinha de uma trajetória na luta de liberdade feminina, unimos os dois e saiu essa coisa linda!

Laura: É isso aí.


Ilustrado: Durante as entrevistas houve algum momento de desabafo das entrevistadas? Ou tem algo que ficou de fora por algum motivo?

Suelen: Todos os relatos são um desabafo, um grito, um sussurro, uma alegria e também carregado de ódio. Não existiu saudosismos, mas percebemos que todas ainda acreditam que a justiça precisa ser feita, não importa se já se passaram quarenta e poucos anos, ainda há a necessidade de mudança. O desabafo vem no grito pela liberdade que elas ainda buscam.
Tentamos não deixar um pinguinho para fora do livro. Tudo que pudemos descrever, parafrasear, relatar, colocamos na obra.

Laura: O perfil de cada uma é um desabafo – cada uma a sua forma, seja falando de forma explicita sobre as torturas que sofreram ou mesmo em forma da palavra que não conseguia sair por conta do trauma. O desabafo saiu em forma de lágrima, e também da esperança de que as coisas vão mudar ainda mais. Acho que o desabafo delas é a nossa forma de continuar caminhando.

Ilustrado: O livro retrata um momento duro da história brasileira sob uma perspectiva diferente, no entanto. Vocês acreditam que por personalizar os abusos da ditadura nas protagonistas as pessoas passem a considerar o regime de maneira mais próxima e não como algo que “aconteceu no passado”?

Suelen: Um dos nossos objetivos é manter a discussão viva, é trazer à luz tanta coisa que está escondida. Sim, ainda. Ouvindo um tanto de cada perfilada, percebemos como ainda estamos no raso. A história vai muito além do que encontramos nos livros de histórias, nas aulas do colégio ou nos filmes nacionais.

Laura: Esperamos que sim. O mais duro de todo esse trabalho é ouvir diariamente jovens defendendo esse regime, “que colocou o Brasil em ordem”. É difícil perceber que, mesmo diante da democracia existem aqueles que desconhecem a própria história do país e que a “ordem” de um regime autoritário é conseguia às custas de mortes, prisões e tortura daqueles que pensam diferente. Esperamos que conhecendo essas pessoas, essas mulheres especificamente, as pessoas passem a se questionar as lesões aos direitos humanos que aconteceram e acontecem até hoje no país. Porque, infelizmente, a ditadura ainda não acabou para muitos.

Ilustrado: Tem um pouco – ou muito – da visão de vocês nas páginas do “Sem liberdade”, como foi conciliar a posição de jornalistas e a simpatia pela causa na hora de escrever?

Suelen: Tivemos que ser fiéis aos relatos. Muitas vezes quando fazíamos algumas perguntas, tínhamos em mente “tomara que ela responda tal coisa…” e muitas vezes essas respostas não vinham, muitas vezes tivemos que respirar e entender que talvez a obra seguiria para um outro caminho. E foi o que aconteceu. Começamos com uma ideia, e logo no começo das entrevistas, percebemos que teríamos que diferenciar o rumo.

Laura: Por um lado é difícil não se emocionar com histórias marcantes e duras, mas por outro é maravilhoso estar na posição de jornalistas para conseguir fazer com que essas histórias atinjam um maior número de pessoas. Acho que esse é um jornalismo que pode não mudar o mundo, mas se mudar uma cabeça já valeu todo o trabalho.

Ilustrado: O livro foi lançado há pouco, mas vocês já têm projetos em andamento?

Suelen: Sim. Estamos participando de bate-papos, entrevistas, rodas de leitura. No mês que vem, dia 26, iremos lançar a obra na Livraria Curitiba, shopping Barigui, [ambas em Curitiba] será um lançamento com bate-papo com as autoras e as perfiladas. Pensamos em continuar na luta. Talvez outras obras nasçam, talvez somente essa permaneça. Ainda estamos reconhecendo o chão.

 

Laura: Essa discussão não pode parar. Não existem projetos engatilhados, mas, com toda certeza buscaremos trabalhar sempre na busca de uma sociedade mais justa e igualitária – seja em projetos jornalísticos ou não.

 

Fonte – Ilustrado

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