Jornalista faz uma autópsia da ditadura

Renato Dias obteve com  exclusividade, no Arquivo Nacional, em Brasília (DF), documento que desvenda como ocorreu início do desmantelamento do Movimento de Libertação Popular (Molipo), uma dissidência da Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo fundado, em Cuba, no ano de 1970. Esta uma das revelações de História – Para Além do Jornal – Um repórter exuma esqueletos da ditadura civil e militar (2013), RD Movimento, 284 páginas, de autoria do jornalista e sociólogo Renato Dias, 46 anos de idade. O livro será lançado, hoje, a partir das 18h30, no hall de entrada da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.

O autor conta, em detalhes, a operação plástica realizada pelo médico Afrânio de Azevedo, que mudaria o rosto do capitão da guerrilha, Carlos Lamarca. O guerrilheiro integrou a VPR, passou pela VAR-Palmares e morreu, em 1971, na Bahia, integrando o MR-8 e solitário.

Renato Dias faz um levantamento completo da Guerrilha do Araguaia, conflito que ocorreu no Norte de Goiás (Atual Tocantins) e Sul do Pará entre os anos de 1972 e 1975 e elucida um mistério de como morreu o goiano Divino Ferreira de Souza, em 1973. Num dos trechos mais polêmicos do livro, ele coloca três especialistas para analisarem a veracidade do Diário do velho Maurício Grabois, o comandante da guerrilha deflagrada pelo PCdoB, sob inspiração das táticas e estratégias do comunista chinês Mao-Tsé Tung.

Com um texto leve e objetivo, ele desnuda a vida privada do que ele chama de “Cavaleiro da Esperança”  Luiz Carlos Prestes, líder da coluna que leva seu nome na década de 1920. Uma curiosidade é que Prestes não permitia o consumo de Coca-Cola em sua casa e era um exímio descascador de abacaxis, como conta Maria Prestes, sua companheira. Carbonário baiano filho de um italiano com uma negra haussá, descendente de escravos, Carlos Marighella tem perfil construído. O inimigo público número um da ditadura civil e militar morreu, em quatro de novembro de 1969, mesmo dia do sequestro do avião da Varig protagonizado por Maria Augusta Tomaz, à época na ALN.

História – Para Além do Jornal – Um repórter exuma esqueletos da ditadura civil e militar traz duas entrevistas reveladoras. Uma com o último comandante militar da ALN, o hoje músico Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. Clemente, como era chamado nos anos de chumbo, afirma a Renato Dias que a estratégia de luta armada (1968-1975) teria sido correta e possuía chances reais de vitória no Brasil. O contraponto é o ex-líder estudantil Vladimir Palmeira, líder das revoltas de 1968 no País e que foi trocado pelo embaixador dos EUA Charles Burke Elbrick. Ele insiste que a “opção pelas armas” foi um erro histórico e que fez consolidar a face dura do regime civil e militar.

Renato Dias informa que, corrente marginal no movimento socialista e operário mundial, chamada de “trotskystas” teria sido alvo de perseguições em Goiás. Ele se refere à Organização Socialista Internacionalista (OSI), que editava o jornal O Trabalho e criou a tendência estudantil conhecida como “Liberdade e Luta”. Ela atuava no PT. Os seus integrantes, como o publicitário Renato Monteiro, o atual secretário de Comunicação da Prefeitura de Goiânia, Edmilson dos Santos, o ex-presidente da Agecom Marcus Vinícius de Faria Felipe, assim como o professor de História Clayton de Souza Avelar e o radialista Evandro Aureliano Peixoto eram monitorados por arapongas mesmo depois do fim da ditadura.

Jornalista formado na Alfa, sociólogo graduado na Universidade Federal de Goiás (UFG), com pós em Políticas Públicas (UFG), Renato Dias é mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento na Pontifícia Universidade Católica (PUC-GO). Ele lançou, em 2012, o livro Luta Armada/ALN-Molipo As Quatro Mortes de Maria Augusta Thomaz, que possuía prefácio de Daniel Aarão Reis.

Em 2014, o escritor pretende lançar Pequenas Histórias – Cuba, hoje – Uma revolução envelhecida ou a reinvenção do socialismo, no segundo semestre. Em 31 de março de 2014, 50 anos depois do golpe de 1964, irá colocar no mercado editorial O menino que a ditadura matou.

 

entrevista

“A tragédia do Molipo precisa ser elucidada”

Diário da Manhã – O livro traz inúmeras reportagens, perfis e entrevistas. Qual a mais marcante em cada um dos temas. E por quê?

Renato Dias –A tragédia do Molipo, dissidência da ALN criada em Cuba no ano de 1970, precisa ser elucidada. Dos 28 fundadores, 19 foram assassinados no Brasil, ao retornarem clandestinamente. Destes, seis em Goiás: Boanerges de Souza Massa, Rui Vieira Berbert, Arno Preiss, Jeová de Assis Gomes, Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado. Crimes sem castigos…

DM – O que o senhor acha da Comissão Nacional da Verdade? Ela está trazendo os resultados esperados?

Renato Dias –Sou otimista. A esperança é que ela, como fez nos casos do ex-deputado federal Rubens Paiva e da “chacina de Quintino” elucide os casos de mortos e desaparecimentos ocorridos de 1964 a 1985. Inclusive os casos das comunidades indígenas e dos trabalhadores rurais executados em uma força-tarefa da ditadura, do latifúndio e dos coronéis no campo.

DM – A reportagem Direito à memória e à verdade – Um passeio pelos centros que recuperam os ‘anos de chumbo’ na América Latina, mostra a ditadura no Chile e na Argentina. Quais as diferenças entre as ditaduras nestes países e no Brasil?

Renato Dias –A ditadura civil e militar, na Argentina, deixou um saldo trágico de 30 mil desaparecidos e 500 casos de sequestros de bebês. Ela durou 7 anos. Os civis e militares que romperam a legalidade no Brasil efetuaram 50 mil prisões, enviaram milhares para o exílio, com 479 militantes mortos ou desaparecidos, cerca de 2000 indígenas mortos e centenas de trabalhadores rurais assassinados. Ela durou 21 anos. No Chile, houveram quatro mil mortos e desaparecidos. Ela durou de 1973 a 1990.

DM – Em sua entrevista, Silvio Tendler afirma que acredita na elucidação de crimes ocorridos em 1964. O senhor acredita nisso?

Renato Dias –Acho que o Brasil precisa ser passado a limpo e que é necessário elucidar os crimes de violações dos Direitos Humanos ocorridos à época da ditadura civil e militar e punir os responsáveis. Isso não é revanchismo. É impedir que ocorram novamente crimes desta natureza.

DM – Sobre a morte de seu irmão, Marcos Antônio Dias Batista. Acredita que conseguirá descobrir onde estão seus restos mortais?

Renato Dias –Tenho fé e esperança que iremos encontrar os seus restos mortais e dar-lhes um sepultamento cristão. O direito ao luto, que minha família não teve, é, hoje, um direito inscrito no Direito Internacional dos Direitos Humanos.

DM – O senhor chegou a participar de algum grupo contra o regime militar?

Renato Dias –Integrei a Organização Socialista Internacionalista, seção brasileira da IV Internacional, a central mundial da revolução fundada por Leon Trotsky em 1938. Ela atuava no PT, defendia o fim da ditadura civil e militar, a revolução permanente e o socialismo democrático, bem longe do socialismo real do Leste europeu, do Sudeste asiático e de Cuba. Depois, troquei a revolução pelo Jornalismo e a Sociologia.

DM – Novos projetos editoriais?

 

Renato Dias – Pretendo lançar, em 2014, Pequena Histórias – Cuba, Hoje – Uma revolução envelhecida ou a reinvenção do socialismo, com fotografias de Juliana Dias Diniz e design gráfico de Carlos Sena. Mais: no dia 31 de março de 2014, quando se completam 50 anos do golpe de Estado civil e militar no Brasil, quero autografar O Menino que a Ditadura Matou. A editora RD Movimento tem planos de lançar uma segunda edição de Luta Armada/ALN-Molipo As Quatro Mortes de Maria Augusta Thomaz. No ano que vem espero escrever um livro sobre os trotskistas no Brasil, hoje.

 

Fonte – Diário da Manhã

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