Comissão da Verdade: delegado acusado de tortura nega participação em crimes

A região leste sempre esteve a margem das conquistas da cidade; na periferia, infraestrutura sempre foi precária

O delegado aposentado da Polícia Civil, Aparecido Laertes Calandra, negou nesta quinta-feira (12), em depoimento à CNV (Comissão Nacional da Verdade), qualquer envolvimento com episódios de tortura durante a ditadura militar no Brasil.

Apesar de ex-presos políticos terem reconhecido o policial como o torturador de codinome capitão Ubirajara, ele disse que no período em que trabalhou no DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações e Defesa Interna) atuou apenas como assessor jurídico.

Ele informou que desconhece qualquer violação aos direitos humanos cometida no local no período de 1972 a 1976, quando exerceu essa função no departamento.

— Nunca ouvi gritos.


Ele não soube explicar como tantas pessoas o reconheceram como membro das equipes de interrogatório.

— Atribuo isso a um engano pessoal das pessoas que estão fazendo essas acusações. Nunca participei de nenhuma atividade de tortura e nunca apoiaria isso.

Embora cumprisse expediente no DOI-Codi, ele negou trabalhar no sistema de informações do governo.

O coordenador da Comissão da Verdade, Pedro Dallari, apresentou documentos em que o comando do Exército elogia o delegado por sua performance profissional. Calandra tentou justificar.

—Isso era parte da conduta do comando aqueles que se dedicavam especificamente a sua função. E a minha era de assessor jurídico.

Aparecido Calandra disse ainda nunca ter usado codinomes.

— Sempre usei o meu nome. Nunca interroguei ninguém e muito menos violei direitos humanos. Sempre fui o contrário disso.

Para a aposentada Darci Miyaki, ex-presa política, que relatou ter sido torturada por ele, não há dúvidas da verdadeira identidade do capitão.

— Ele mudou pouco, muito pouco. Está com cabelo mais ralo, branco, mas o visual, a estrutura são os mesmos. Esse cidadão era o Ubirajara, um torturador e partícipe de muitos assassinatos.

Antes do depoimento do acusado, sete ex-presos políticos falaram na audiência sobre os momentos em que estiveram de frente com o delegado. Durante o testemunho, Darci Miyaki questionou a versão da morte de seu companheiro de militância Élcio Pereira.

— A morte dele foi anunciada em um tiroteio no dia 28 de janeiro de 1972, mas, nesse dia, ele estava sendo trazido do Rio [de Janeiro] para São Paulo comigo.

Ela disse que foi torturada diversas vezes pela equipe do capitão Ubirajara.

— Foram choques elétricos no ouvido, nos dedos dos pés, das mãos, choque na vagina. Era algo muito violento.

A aposentada Maria Amélia de Almeida Teles, detida pela ditadura em dezembro de 1972, também esteve na audiência e disse ter sido torturada pessoalmente pelo delegado. Amélia foi presa junto com o marido e Carlos Nicolau Danielli, companheiro de militância. Ela contou que os filhos do casal, à época com 4 e 5 anos, também foram levados ao DOI-Codi e presenciaram a mãe já machucada pelos métodos violentos aplicados no interrogatório.

— Eles queriam saber porque eu estava azul. Quando olhei para o meu corpo, vi que estava toda roxa.

Em um dos momentos em que ela esteve com Aparecido Calandra, o delegado lhe mostrou um recorte de jornal com a manchete de que um terrorista havia sido morto em tiroteio.

— Era uma versão mentirosa. Danielli foi morto naquela sala.

Amélia contou que foi ameaçada de que o mesmo poderia ocorrer com ela, pois eles dariam as versões que quisessem para as mortes.

— Ele ficou ali se gabando de ser autor daquela farsa. Ameaçando que eu poderia ter manchete como essa.

A morte de Danielli é uma das acusações que pesam sobre o capitão. Além de Darci e Amélia, também prestaram depoimentos, os ex-presos políticos Gilberto Natalini (atualmente vereador de São Paulo), o jornalista Sérgio Gomes, o deputado federal Nilmário Miranda, o deputado estadual Adriano Diogo e o físico Arthur Scavone. Eles detalharam as situações em que estiveram com o capitão Ubirajara no período da prisão.

O advogado José Carlos Dias, membro da Comissão da Verdade, considerou o depoimento uma “desfaçatez”.

—Os vizinhos ouviam os gritos e ele, que trabalhava lá, não ouvia um grito? É uma desfaçatez. Mas nós cumprimos o nosso dever de perguntar.

Pedro Dallari fez avaliação parecida ao dizer que o depoimento foi pouco “crível”.

— É ruim por um lado, mas as provas que a comissão possui contra ele são muito robustas. Os fatos indicam claramente que o delegado praticou tortura.

Ele informou ainda que a comissão já recolheu grande número de depoimentos que farão parte do relatório final.

— Todos os depoimentos que considerarmos importantes para a elucidação dos fatos, nós colheremos, mas temos um problema de tempo.

 

Pedro Dallari espera que haja prorrogação, até o final do ano, do prazo para conclusão dos trabalhos, que se encerrariam em maio.

 

Fonte – R7

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