“O trabalho da Comissão Nacional da Verdade é essencial para que a nova classe trabalhadora conheça a luta do povo e desenvolva uma consciência de classe. Ainda temos muito o que fazer. É preciso aprofundar a democracia e reforçar a luta pelo socialismo”, afirmou João Batista Lemos, presidente estadual do PCdoB/RJ, durante ato das centrais sindicais, em parceria com o grupo de trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, da Comissão Nacional da Verdade.
O ato que homenageou os mais de 400 trabalhadores e sindicalistas vítimas do regime militar foi realizado no sábado (1º), no Teatro Cacilda Becker, em São Bernardo do Campo, no Grande ABC, em São Paulo.
No evento, os trabalhadores também cobraram que as empresas que apoiaram a ditadura seja responsabilizadas pelos seus crimes. Com a comprovação de que o golpe foi cívico-militar e não apenas responsabilidade das Forças Armadas, o deputado estadual e presidente da Comissão Estadual da Verdade de SP, Adriano Diogo (PT/SP), destacou que a Comissão deve apontar a responsabilidade também dos patrões.
“As multinacionais prepararam, financiaram, usufruíram do golpe e fizeram listas de trabalhadores e dirigentes sindicais para entregar aos militares. O regime não teria a força que teve e nem durado quanto durou sem essa apoio. Pela punição aos torturadores, pela identificação do papel das empresas na ditadura e pela abertura definitiva dos arquivos dos militares”, cobrou.
A coordenadora do grupo dos trabalhadores dentro da CNV, Rosa Cardoso, alertou que, para isso, seria necessário uma atuação mais ampla da comissão. “Estamos lutando por um processo de Justiça, mas é preciso ter clareza de que não alcançará empresas, porque apenas podemos criminalizar pessoas. Precisaríamos fazer uma construção especial como Argentina e Chile estão fazendo para buscar reparação das empresas”, explicou.
Vida sindical na ditadura
Ex-ajudante de produção da Volkswagen e da Mercedez, Batista contou como era atuar no movimento sindical antes da redemocratização.
“Em 1980, como tinha relação com o sindicato, fui orientado a morar longe da fábrica da Volks para a repressão não controlar a gente. Eu não era nem diretor, era da base, mas, mesmo assim, soube que era o segundo nome em uma lista de 30 ativistas sindicais entregue pela empresa ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, onde ocorreram muitas das torturas de militantes contra a ditadura). Minha militância fez com que eu fosse demitido da Volks e depois consegui entrar na Mercedez. Quando descobriram quem eu era, me deslocaram para o pátio da fábrica, onde recebia as peças e ficava isolado dos demais trabalhadores até ser demitido de novo”, lembrou.
Outro homenageado foi o jornalista e diretor do grupo Oboré, Sérgio Gomes, que escapou por pouco da morte pelas mãos dos militares. No início da década de 1970, Gomes integrou uma comissão de jornalistas e artistas que fundaram o Oboré para fazer a comunicação das entidades sindicais e ajudá-las a organizar uma imprensa própria.
“Eu fui preso em 1975 e só não fui morto porque antes mataram o Vladimir Herzog, que estava preso junto comigo e era uma pessoa importante, muito bem relacionada, que comandava o departamento de jornalista da TV Cultura. Ao matarem o Vlado, se produziu uma grande revolta na sociedade e aí várias pessoas foram salvas”, lembra.
Além de Batista e Gomes, mais de 400 vítimas da ditadura foram homenageadas. Entre elas Ângelo Arroyo e Maria Lúcia Poço (que foram executados durante o regime), Aurélio Peres, Eustáquio Vital Nolasco, Marcelo Toledo, Neleu Alves, Joel Batista, Maria Arleide Alves e Ana Martins foram homenageados.
Os homenageados receberam um diploma de reconhecimento por suas ações na luta democrática. Os que foram assassinados por agentes do Estado naquele período foram homenageados “in memoriam”.
Com auditório cheio e ao som de grandes compositores como Chico Buarque, Martinho da Vila, Sérgio Sampaio e Zé Keti, o ato sindical “Unidos, Jamais Vencidos” foi promovido pela Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), CSPConLutas, entre outras.
Para Batista, que também é da direção CTB, “é importante resgatar a memória da luta da classe trabalhadora, que gerou lideranças como a de Lula. Para nós trabalhadores é fundamental esse resgate. São lições que temos que tirar para que nunca mais aconteça no Brasil e para que essa nova geração tenha conhecimento que tudo que conquistamos até agora foi com muita luta, muito sofrimento”, declarou ao Vermelho.
Abertura
O prefeito Luiz Marinho abriu o evento destacando que a democracia que o Brasil tem hoje foi conquistada através do sangue de muitos.
“Vamos lembrar aqui as atrocidades da ditadura e tantos amigos e anônimos que se foram. Quantos trabalhadores foram sacrificados das mais diversas formas. Uns com a vida, outros torturados. Torturas físicas, psicológicas e emocionais”. Segundo ele, a população não tem que apenas lembrar do golpe de 50 anos atrás, mas sim, se alertar para movimentos atuais que dão continuidade ao processo de ditadura.
Um dos homenageados foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que despontou nacionalmente durante as greves realizadas no ABC no final da década de 1970. À época, Lula era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. O ex-presidente, contudo, não compareceu ao evento. Lula estava na capital paulista realizando exames médicos de rotina no hospital Sírio-Libanês e não pode comparecer à homenagem.
Comissão Nacional da Verdade
Na homenagem, Rosa Maria Cardoso da Cunha, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, enfatizou o significado que o golpe de 64 teve para a classe trabalhadora e lembrou que a CNV está lutando por um processo de justiça.
“Foi a classe trabalhadora que sustentou as reformas de base por um processo de modernização e aceleração do capitalismo, imposto a partir de 64. Foi a classe trabalhadora que trouxe o povo para participar da política, e que colocou um trabalhador no Poder. Lula é o ícone da participação da classe trabalhadora no poder”, afirmou.
O primeiro ato de 2014, ano em que o golpe de 64 completa meio século, contou com a presença do prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, do secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, do filho do presidente da República João Goulart, João Vicente Goulart e da coordenadora da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Rosa Maria Cardoso da Cunha, do presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, além de representantes de dez centrais sindicais e parlamentares.
Fonte – Vermelho