Comissão da Verdade cita locais de tortura e pede investigação às Forças Armadas

Para coordenador, tortura tornou-se ‘política pública’ durante a ditadura e chegou a hora de militares colaborarem com reconstituição dos fatos. Relatório foi encaminhado ao Ministério da Defesa

A Comissão Nacional da Verdade quer que as Forças Armadas investiguem unidades sob sua responsabilidade que, durante a ditadura (1964-1985), funcionavam como centros de tortura. Relatório preliminar com sete locais foi divulgado na tarde de hoje (18) pelo colegiado. Segundo o coordenador da CNV, Pedro Dallari, as informações apuradas indicam uma situação de desvio de finalidade, ou seja, instalações militares usadas para a prática de torturas. “E não foi algo eventual, ocasional. Houve um padrão, uma situação rotineira. A tortura se converteu numa política pública”, afirmou.

Dos sete locais, quatro são do Rio de Janeiro: Destacamento de Operações de Informações do I Exército (DOI/I Ex), 1ª Companhia de Polícia do Exército da Vila Militar, Base Naval da Ilha das Flores e Base Aérea do Galeão. Os demais ficam em São Paulo (Destacamento de Operações de Informações do II Exército,  DOI/II Ex), Recife (Destacamento de Operações de Informações do IV Exército, (DOI/IV Ex) e Belo Horizonte (Quartel do 12º Regimento de Infantaria do Exército).

No pedido entregue à Defesa, a CNV afirma que não se trata de investigação sobre como ocorreram torturas e mortes nessas instalações, o que já documento e reconhecido pelo Estado brasileiro. Mas sustenta que é “imperioso o esclarecimento de todas as circunstâncias administrativas que conduziram ao desvirtuamento do fim público estabelecido para aquelas instalações, configurando o ilícito administrativo do desvio de finalidade, já que não se pode conceber que próprios públicos (…) pudessem ter sido formalmente destinados à prática de atos ilegais”.

O pedido já foi feito ao ministro da Defesa, Celso Amorim. “Ele nos recebeu muito bem. Temos tido excelente relacionamento com o Ministério da Defesa e com as Forças Armadas”, disse Dallari. A CNV espera que sejam organizadas comissões de sindicância para averiguar cada caso. “O relatório não é analítico e não faz juízo de valor, tem elementos comprobatórios de uma situação fática.” Situação que ele define como o uso de instalações militares “de maneira contínua, organizada, obedecendo padrões, para a prática de tortura”.

Para ele, o pedido é razoável: “Eles é que têm condições de, num curto espaço de tempo, nos contar essa história. Chegou a hora de as Forças Armadas nos darem uma contribuição efetiva. Já vêm dando, com documentos”. O coordenador salientou as palavras “apoio” e “colaboração” para definir o pedido feito à área militar. “Há uma proposta sólida do ponto de vista legal, jurídico.”

“Temos o direito de exigir que todo o Estado brasileiro participe das investigações”, acrescentou o integrante da comissão José Carlos Dias. “Não queremos dividir as responsabilidades das atribuições que nos foram dadas. Estamos abrindo um diálogo que pode ser frutífero”, comentou Rosa Cardoso, que também compõe a comissão. “Se eles não atenderem ao nosso pedido, faremos de outra forma. Não há nenhuma armadilha para, através da sindicância, chegar à autoria.”

O historiador Paulo Sérgio Pinheiro, outro integrante e ex-coordenador da CNV, observou que as violações aos direitos humanos eram praticadas em locais que não eram clandestinos, mas de serviço público. “Imagine funcionários batendo ponto: ‘Hoje é meu dia de tortura’. Isso dentro de um prédio público, do Estado brasileiro. Enquanto tinha gente usando máquina de escrever, tinha gente usando pau-de-arara na sala ao lado.”

A comissão também citou gastos do erário público com esse tipo de atividade. “O desvirtuamento de uso é um dano ao erário. Além disso, os atos ilícitos também geraram dano à medida que o Estado brasileiro teve de indenizar as pessoas (vítimas de torturas)”, argumentou Dallari.

Araguaia

 

A guerrilha do Araguaia, ocorrida no início dos anos 1970, será discutida em maio pela Comissão da Verdade, no que devem ser as duas últimas audiências públicas do colegiado. Segundo Dallari, uma será realizada no Rio de Janeiro e outra, em Brasília. Depois disso, a CNV deverá se concentrar na sistematização e redação de seu relatório final, a ser divulgado em novembro.

 

Fonte – Rede Brasil Atual

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