A história do movimento estudantil brasileiro se confunde com a própria história do país. Responsáveis por muitas das principais mobilizações que agitaram as ruas das grandes cidades, os jovens sempre tiveram destaque nos rumos da política nacional, desde pressões para o posicionamento do governo em relação à Segunda Guerra Mundial, passando por enfrentamentos durante a repressão na Ditadura Militar e participação nas “Diretas Já”, até o impeachment do então presidente da república, Fernando Collor de Mello, em um movimento que ficou marcado pelos chamados “caras-pintadas”.
O movimento estudantil tem suas origens em 1901, quando foi criada a Federação dos Estudantes Brasileiros, entidade pioneira, porém com pouco tempo de atuação. Em 1910, aconteceu o I Congresso Nacional de Estudantes, em São Paulo. Com o aumento da quantidade de escolas nas primeiras décadas do século, a organização coletiva dos jovens aumentou gradativamente. A partir da Revolução de 1930, a politização do ambiente nacional levou os estudantes a atuarem mais firmemente até a criação, em 1937, da União Nacional dos Estudantes (UNE), que começou a se organizar em congressos anuais e a buscar articulação com outros setores da sociedade.
De lá para cá, mesmo com as diversas alterações nos contextos social, político e econômico e da mudança de postura da juventude, na sua forma de enxergar o mundo e reagir aos descontentamentos, os estudantes sempre estiveram envolvidos com as principais questões do país. Hoje em dia, entretanto, as entidades de representação estudantil não conseguem mais repetir os grandes atos realizados no passado. Até mesmo os protestos que se espalharam pelo país em 2013 e que ganharam força no mês de junho, quando chegou a reunir 300 mil pessoas no Centro do Rio de Janeiro e mais de 1 milhão nas ruas de diversas cidades, não foram iniciativas das entidades.
Para ex-líderes, ditadura e interesses partidários esvaziaram as mobilizações
Na opinião de antigas lideranças dos estudantes, o fato de as principais entidades estudantis do país não terem sido protagonistas na mobilização dos estudantes no ano passado é o resultado de uma série de fatores, como a desilusão de boa parte da população na política, que acaba refletindo no movimento estudantil, o envolvimento das diretorias com partidos políticos e até mesmo prejuízos causado durante o regime militar, que durou de 1964 até 1985.
“A ditadura causou um grande prejuízo ao país. Quebrou lideranças sindicais, estudantis, empresariais e políticas. Essa reconstrução demora anos. Foi um dos fatores que pesaram na desilusão do povo com os partidos e dos estudantes com as suas representações. Não vemos um diretório de universidade com uma luta expressiva. Às vezes, um pequeno grupo se manifesta. Antigamente não, era uma mobilização geral”, falou José Frejat, ex-presidente da UNE, em 1950 e 1951.
Vladimir Palmeira, que presidiu a União Metropolitana dos Estudantes (UME) em 1967 e 1968, contou que os estudantes formaram a principal força de resistência contra o governo militar. De acordo com ele, se por um lado dificultava pela repressão, por outro havia algo bem peculiar: com os movimentos operário e camponês reprimidos e o apoio da classe média urbana ao golpe, os estudantes tinham mais espaço para protestar em relação aos outros movimentos.
“Isso permitiu que o movimento estudantil se levantasse com uma repressão relativamente pequena, pois não torturavam nem matavam ninguém. Reprimiam nas ruas, mas não iam muito em cima. O presidente Costa e Silva era obrigado a suportar muita coisa, porque tinha que seguir uma constituição. Então, tinha algum espaço para a gente se movimentar”, lembrou, ressaltando que isso durou até a promulgação do Ato Institucional Número Cinco (AI-5), em 1968, que suspendeu várias garantias constitucionais.
“Foi golpe dentro do golpe, acabou com os elementos democráticos que, apesar de tudo, ainda haviam. Mas antes o movimento estudantil era muito bem estruturado, no caso do Rio, com todas as tendências ideológicas participando. Éramos o único estado onde a direita participava da entidade estudantil. Só havia movimento, porque construímos uma entidade de massa. Tratávamos de questões estudantis, conseguimos discutir professor, currículo e democracia nas universidades. Sem isso, teríamos feito manifestações episódicas”, falou.
Os primeiros anos da UNE acompanharam a eclosão da Segunda Guerra Mundial, que durou de 1939 a 1945. Os estudantes brasileiros, recém-organizados, se opuseram ao nazismo de Hitler na Alemanha e pressionaram o governo do presidente Getúlio Vargas a tomar uma posição. Em meio ao conflito, em 1942, os jovens ocuparam a sede do Clube Germânia, que mais tarde foi concedido por Vargas para que fosse a sede da UNE, também oficializada por ele como a entidade representativa dos universitários brasileiros. Mais tarde, com a tomada do governo pelos militares, a sede acabou sendo incendiada. Uma das testemunhas foi Alfredo Viana, presidente da União Metropolitana dos Estudantes (UME) em 1959.
“O que me preocupa é que, eventualmente, a UNE tenha se afastado de suas bases. Com isso, perde certo prestígio e certa força. Isso é um fato que precisa ser pensado. Talvez com a campanha pela reconstrução do prédio melhore. Outra coisa é o fato de a UNE sempre ter desempenhado uma função política suprapartidária. Nunca permitimos sua participação em eventos e atos de partidos. Era uma entidade realmente democrática. De uns anos para cá, está muito vinculada à um determinado partido. Não sei se isso está ajudando ou prejudicando”, falou o ex-líder estudantil.
Pouca combatividade ou diferentes contextos políticos e sociais?
Outra mobilização marcante da UNE foi a campanha “O Petróleo é Nosso”. Após a promulgação da Constituição de 1946, foi travado um grande debate entre os que admitiam a entrada de empresas estrangeiras para a extração e os que defendiam o monopólio nacional. Até que, em 1953, foi criada a Petrobras. Presidente da União em 1953 e 1954, João Pessoa de Albuquerque acredita que a militância de hoje em dia não tem o mesmo entusiasmo do passado. “Na minha época, posso dizer que havia mais combatividade. Hoje, sinto a UNE mais preservadora do poder público. Se existem impedimentos políticos para que a atual diretoria não tenha a mesma combatividade que tive, temos que analisar. No dia 21 de abril de 1954, por exemplo, promovi no Rio de Janeiro, na sede da UNE e em todas as Uniões Estaduais do Brasil, um grande movimento contra a corrupção. Esta combatividade, inclusive com duras notas endereçadas ao governo, não vejo mais hoje”, criticou.
Em diversas ocasiões, Vic Barros, atual presidente da entidade, assegurou que a entidade mantém uma postura de total autonomia e independência face a qualquer governo, seja municipal, estadual ou federal. “Nossa relação hoje com o governo é de diálogo e de pressão permanente por mudanças positivas para o país. Portanto, reconhecer que existem avanços no Brasil não nos atrela a nenhum governo, pelo contrário, seguimos fazendo as críticas que consideramos justas na atual conjuntura política e na realidade que o Brasil vivencia hoje em dia”, garantiu em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, publicada em outubro. Na ocasião, ainda afirmou que o movimento estudantil nunca saiu das ruas. “Importantes conquistas que tivemos, especialmente em educação, neste período, como o Programa Universidade para Todos (ProUni), a expansão de vagas nas universidades federais e a lei de reserva de vagas, são todas fruto de muita mobilização”, completou.
Para Vladimir Palmeira, não há mudanças no grau de combatividade, mas sim contextos diferentes. De acordo com ele, o maior problema da atualidade é a crise de representatividade, que acaba afastando os jovens da política. “Temos visto, aliás, muitos jovens pecando pelos excessos, como nas últimas manifestações. Os meninos do Black Bloc começaram a entrar em confronto com a polícia, o que acabou gerando um desgaste. Atualmente, a política é cinza. Como um jovem vai se interessar por uma política achando que um é ladrão, outro é vendido e fulano só quer aparecer?”, questionou.
Fonte – Folha Dirigida