Objetivo é preservar a história de ribeirão-pretanos vítimas dos 21 anos de ditadura
Maria Aparecida dos Santos (Cidinha) (1947-atual): Ficou 3 anos, 3 meses e 25 dias presa, período em que foi torturada por, inclusive, o delegado do Dops Sérgio Fleury. Mora em Ribeirão e é historiadora. (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)
Em setembro de 1969, Cidinha chegou ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social) quase sem forças para ficar em pé. Ao seu lado, dois companheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN) estavam baleados.
“Vocês caíram da escada? Trombaram com uma Fenemê [caminhão]”, ironizou o delegado Sérgio Fleury Paranhos, sentado sob um quadro com uma caveira e dois ossos cruzados, símbolo do esquadrão da morte da polícia. “Era um olhar metálico”, lembra Maria Aparecida dos Santos, então com 22 anos.
Recém-saída de quatro dias ininterruptos de tortura na sede da Oban (Operação Bandeirante), a jovem ficaria mais dois meses presa no Dops – um dos locais mais temidos na ditadura militar. Depois, foi para o presídio de Tiradentes.
Dividiu a cela 6, entre 1970 e 1972, com a presidente Dilma Rousseff, que chegou a descrever como uma pessoa muito alegre, brincalhona, mas, como a grande maioria, muito sensível com o que acontecia e muito solidária. “Era uma pessoa que tinha convicção do que defendia, assim como todos nós.”
Cidinha recorda que sofreu na prisão todo tipo de violência: “cadeira do dragão, choques elétricos, sessões de espancamento, fiquei nua no pau de arara…”, diz Cidinha. Até hoje, com 67 anos, ela carrega problemas de audição pelos tapas que levou no ouvido. “Em alguns momentos, nem gritar conseguíamos. Tudo o que saía era um apelo rouco.”
Após três anos, três meses e 25 dias, ela foi liberada. Antes, foi ameaçada de morte pelo major Carlos Alberto Brilhante Ustra, outro expoente do regime militar. Lembro até hoje o nome de todos os meus torturadores, tenho muito a contar”, diz ela, que foi uma das 834 pessoas que deram depoimento na Comissão Nacional da Verdade. Em breve, deve fazer o mesmo na Estadual, conduzida pela Assembleia Legislativa.
Vereador Cangussu diz que Câmara não tem estrutura (Foto: Milena Aurea / A Cidade)“Ribeirão tem um acúmulo tremendo de histórias, é um desperdício de memória não aproveitá-las”, diz o deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da comissão estadual. Criada em fevereiro de 2012, até o começo deste ano ela havia ouvido cerca de 500 testemunhas – entre elas, Áurea Moretti.
‘Não temos estrutura para isso’, diz vereador
O vereador Beto Cangussu (PT) reforça a necessidade de Ribeirão ter uma comissão própria, mas já adianta: “Não temos estrutura suficiente para isso, e para fazer algo superficial é melhor nem criar”, diz.
Atualmente, o Museu de Imagem e Som possui alguns relatos gravados sobre o período. Entretanto, não há um projeto municipal voltado especificamente para resgate e preservação de memória.
Questionadas pelo A Cidade, as assessorias de imprensa da prefeitura e da Câmara Municipal afirmaram não existir projetos de Comissão da Verdade ou similares em andamento.
“A Comissão não implica apenas o passado, ela é mais atual do que nunca. Se não entendermos a ditadura, não compreenderemos a nossa democracia insegura”, defende o deputado estadual Adriano Diogo (PT).
Fonte – Jornal a Cidade