Material coletado será enviado para a Comissão Nacional da Verdade.
“Crimes de tortura não prescrevem”, explica professor.
A Comissão da Verdade de Sorocaba (SP) realizou uma audiência pública que lembrou os 50 anos do Golpe Militar, que se instalou no Brasil no dia 31 de março de 1964, após a deposição do presidente João Goulart. As consequências da ditadura no país e a luta dos militantes sorocabanos foram temas abordados.
Segundo o professor de filosofia Daniel Lopes, um dos idealizadores do projeto, a ideia de fazer uma comissão na cidade surgiu quando trabalhava no Ministério da Justiça. “Foi após trabalhar na Comissão de Anistia. Lá tive a informação de que a prisão feita no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em um sítio de Ibiúna (SP) em 1968 foi feita pela polícia de Sorocaba. Formamos um grupo, que recebeu a ajuda do Adriano Diogo, presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. Esse grupo criou um documento que mostrava os casos que aconteceram aqui e a necessidade dessa comissão para a Câmara para os Vereadores”, explica
De acordo com a jornalista e produtora do livro-reportagem ‘Ditadura e repressão em Sorocaba’, Fernanda Ikedo, essa comissão se faz importante porque muitos sorocabanos lutaram e resistiram ao golpe. “A cidade tem uma trajetória de sindicatos combativos, como dos ferroviários e têxteis na época. E muitos militantes de esquerda que estavam envolvidos tanto no movimento estudantil quanto no movimento operário. Entre eles, o professor de história Miguel Trujilo, o professor e ex-padre Aldo Vannucchi, entre tantos outros”, ressalta.
De acordo com Lopes, essa primeira audiência serviu para relembrar a luta dos sorocabanos na época da ditadura militar. Na realidade, os trabalhos da comissão, segundo Lopes, devem começar em 20 dias. Ela irá pesquisar e ouvir depoimentos de pessoas que vivenciaram o período militar. Tudo que for coletado até o final de 2014 vai ser encaminhado à Comissão Nacional da Verdade. “Esse material coletado aqui vai ser anexado aos documentos oficiais. A Comissão de Sorocaba tem articulação estadual e nacional.”
No entanto, Lopes que ressalta que a comissão não tem capacidade de punir ou sentenciar. “Ela transcreve depoimentos, ouve e pesquisa. As comissões enviam para o Ministério Público os dados coletados e o MP pede condenação dos envolvidos ao Supremo Tribunal Federal.”
Anistia
Ainda de acordo com Lopes, o Ministério Público acredita ser importante julgar esses casos, porque a Lei de Anistia, promulgada pelo presidente Figueiredo em 1979, que liberou do julgamento os que praticaram crimes políticos no período de 1964-1985, não pode ser aplicada para crimes contra a humanidade. “Crimes de tortura não prescrevem, de acordo com o direito internacional”, explica.
Para Fernanda, o golpe e a ditadura representam uma história triste no capítulo da nação, pois ceifou os sonhos de mais de uma geração. “Foi truculento e corrupto. Se hoje temos uma vivência democrática não foi dada, mas conquistada com muito sangue. Os jovens precisam saber o que realmente foi esse período, as torturas sistematizadas que aconteciam, as perseguições e a censura”, ressalta.
Para a jornalista, a audiência foi um primeiro passo para reparação, para fazer justiça, em nome da memória. “Como diz Dom Paulo Evaristo Arns:’os povos que não podem ou não querem confrontar-se com seu passado histórico estão fadados a repeti-lo’.”
Fonte – G1