Medida provisória que prorroga comissão tem até 2 de junho para ser votada para que órgão continue em funcionamento
Trabalhos da Comissão da Verdade correm riscoEditada no final do ano passado pela presidente Dilma Rousseff, a Medida Provisória 632, que prorroga até dezembro o funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, tramita sem prazo para votação na Comissão Mista do Congresso. Caso não seja aprovada até o dia 2 de junho, a MP caduca e a CNV se extinguiria automaticamente, obrigando o Congresso a regulamentar as atividades do órgão entre 16 de maio, que é o prazo de funcionamento definido em lei, e dois de junho.
Embora circulem rumores de que a ala conservadora da base aliada do governo estaria aguardando um posicionamento das Forças Armadas sobre a sindicância que investiga o uso de estabelecimentos militares como centro de tortura para decidir o destino da MP, o coordenador da CNV, Pedro Dallari acredita na prorrogação.
“A MP segue a tramitação normal”, disse ele durante entrevista sobre a descoberta de seis centros clandestinos usados pelos órgãos de informação do regime militar para matar e preparar o desaparecimento de presos políticos entre 1970 e 1975. Segundo Dallari, não há nenhum sinal de que o Congresso possa deixar de votar a MP.
A MP deveria ser votada na Comissão Mista na semana passada, mas houve um pedido de vistas do relator, senador Antônio Carlos Rodrigues (PR-SP). Depois disso, a matéria deve ainda ser submetida a votação em plenário nas duas Casas para só então garantir a validade de seu conteúdo.
Junto com a prorrogação da CNV, a mesma MP trata de outros assuntos, como aumento na remuneração de servidores de agências reguladores, de vários outros órgãos federais – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Hospital das Forças Armadas (HFA) e Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM) – e propõe mudanças no regime jurídico de servidores e de pessoas contratadas temporariamente. A MP já recebeu mais de 70 emendas – nenhuma delas relacionadas a CNV.
A inclusão da prorrogação numa matéria que mexe com vários outros temas de interesse dos servidores foi uma estratégia do governo para tentar evitar que a MP caduque. Ainda assim, grupos de direitos humanos acham que a demora do Congresso torna incerto o destino da comissão.
Pelo sim pelo não, as audiências para ouvir agentes da repressão se encerram em maio com o depoimento de pelo menos 50 militares suspeitos de participar de tortura e desaparecimento de militantes da luta armada. Dallari disse que pelo calendário estabelecido de comum acordo entre os coordenadores – que ainda terão de driblar eventos como a Copa do Mundo e as eleições – o resto do tempo será utilizado para a redação do relatório final da CNV sobre os dois anos de investigação.
“A preparação do relatório será um trabalho hercúleo”, afirmou. A CNV deve sistematizar, em temas distintos, investigações que vêm sendo feitas por cerca de 70 comissões estaduais e municipais. Além disso, relatará o que foi apurado nas audiências (públicas e privadas) cruzando informações com extenso material já produzido pela Comissão de Anistia e publicações que trataram dos anos de chumbo.
Nas audiências programadas para abril deverão ser ouvidos militares citados em denúncias de tortura e desaparecimentos forçados. Um deles é o ex-capitão Benoni Albernaz, apontado como o agente que torturou a presidente Dilma Rousseff, quando ela esteve presa na sede da Operação Bandeirantes (Oban) em São Paulo.
Também serão ouvidos os militares envolvidos na repressão aos militantes do PC do B na Guerrilha do Araguaia, entre os quais, está o general Nilton Cerqueira, ex-deputado e ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro. Cerqueira comandou a chamada Operação Marajoara, a ofensiva final que terminou no extermínio dos guerrilheiros. Antes do Araguaia, ficou famoso por matar, no sertão da Bahia, o capitão Carlos Lamarca, um dos líderes da luta armada.
Parte das audiências sobre a Guerrilha do Araguaia será realizada no Rio de Janeiro. Lá será ouvido também o coronel Lício Ribeiro Maciel e outros oficiais que atualmente gravitam em torno do Clube Militar. O depoimento mais esperado será tomado em Brasília, com a convocação do coronel Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido à época como Major Curió, que participou de todas as fases das operações das Forças Armadas, inclusive nas ações de rescaldo que teriam sumido com os corpos dos guerrilheiros.
O relatório que está sendo preparado pela CNV deverá reconstituir toda a estrutura da repressão militar aos grupos políticos que se opuseram ao golpe, apontado responsáveis pela tortura, extermínio e desaparecimento de corpos, mas também toda a cadeia de comando que tinha, no topo, os generais que se alternaram na presidência da República.
Não há sinais, no entanto, de que as investigações possam apontar o paradeiro de cerca de 140 desaparecidos políticos, que é sua principal tarefa. O principal obstáculo é a postura dos atuais comandos das Forças Armadas que, embora não tenham ligação os crimes da ditadura, se recusam a abrir os arquivos ou a exigir dos remanescentes do período a verdade sobre as violações. A CNV deve dar uma explicação sobre o que foi feito com cada militante morto e desaparecido.
O relatório deve sugerir ao Congresso a revisão da Lei de Anistia de 1979 no sentido de internalizar no sistema jurídico brasileiro a legislação internacional que torna imprescritível a tortura e desaparecimentos forçados. O objetivo é levar ao banco dos réus oficiais que atuaram na linha dura e se envolveram em violações.
Fonte – IG