A ONU cobra das autoridades brasileiras uma “investigação imediata” sobre a morte do coronel da reserva do Exército, Paulo Malhães. Seu assassinato ocorreu na noite da quinta-feira (24), em um suposto assalto no sítio em que morava na zona rural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
A possibilidade de a morte ter relação com o depoimento de Malhães na Comissão da Verdade é investigada. Em março deste ano, Malhães prestou à Comissão Estadual da Verdade do Rio depoimento em que relatava ter participado de prisões e torturas na ditadura. Disse também que foi encarregado pelo Exército de desenterrar e sumir com o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971.
Dias depois, à Comissão Nacional da Verdade, reafirmou ter tomado parte em torturas, mas mudou sua versão sobre o sumiço dos restos mortais de Paiva. O corpo desenterrado, segundo ele, não poderia ser identificado por estar em decomposição.
Agora, a ONU quer esclarecimentos sobre sua morte. “É necessário que haja uma investigação imediata para esclarecer os fatos em relação ao caso e aqueles responsáveis precisam ler levados à Justiça”, declarou ao Estado a porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Ravina Shamdasani.
Segundo a ONU, a entidade está coletando novas informações sobre o caso e deve se pronunciar ainda nesta semana sobre o assunto.
Os esforços do Brasil para lidar com seu passado foram elogiados ao longo dos últimos meses pela ONU. Mas que também exige do país que os responsáveis por torturas, assassinatos e crimes contra a humanidade sejam processados.
A ONU também já se pronunciou contra a manutenção da lei de anistia no Brasil, alegando que crimes como o da tortura não podem ser protegidos por uma lei.
Viúva escutou que invasor seria parente de vítima do coronel
A Comissão da Verdade do Rio já sabe que um dos invasores do sítio do coronel da reserva do Exército Paulo Malhães, em Nova Iguaçu, onde o militar foi achado morto após assalto, disse ser parente de alguém que o oficial teria assassinado. A afirmação foi ouvida pela viúva do oficial, Cristina Batista Malhães. Ela reforçaria a hipótese de vingança – mas não inviabilizaria a possível ligação do crime com o passado do oficial na repressão militar da ditadura.
Cristina foi mantida presa pelos três invasores armados, ao lado de Malhães e do caseiro, identificado como Rogério. O mesmo homem que disse a frase ouvida pela viúva citou o município de Duque de Caxias.
A invasão aconteceu na última quinta-feira. Os criminosos chegaram a tentar enforcar Cristina para forçar o coronel a revelar onde guardava sua coleção de armas, suposto alvo dos ladrões. Depois que fugiram, constatou-se que o oficial, deixado de bruços com o rosto sobre um travesseiro, havia morrido. A guia de sepultamento apontou como causa complicações cardíacas. A Polícia investiga a possibilidade de asfixia. Somente um laudo definitivo do Instituto Médico-Legal determinará o que matou o militar.
CONFISSÃO – Um dos mais notórios torturadores do regime militar de 1964, e com fama de estar ligado a grupos de justiceiros na região onde vivia, Malhães prestou depoimentos às Comissões da Verdade do Rio e Nacional e deu entrevistas. Confessou torturas, assassinatos e desaparecimentos de opositores da ditadura, divulgou detalhes sobre como os corpos eram mutilados para dificultar a identificação. Chegou a assumir que ajudara a dar sumiço aos restos mortais do ex-deputado Rubens Paiva – afirmação da qual, dias depois, recuou.
No sábado, a Polícia Civil fez uma perícia no local do crime. O delegado William Pena Júnior, da Divisão de Homicídios/Baixada Fluminense, informou que a principal hipótese para o crime é latrocínio (roubo seguido de morte). Os criminosos levaram, além das armas, dois computadores, joias e dinheiro.
Inicialmente, a polícia não descartava nenhuma explicação para o crime. O caso, porém, tem características que causam estranheza e mostram um planejamento incomum para ações do gênero. Os invasores ficaram no local das 13h às 22h, tempo demasiado para um roubo corriqueiro. Um deles estava mascarado e todos, segundo a polícia, usavam luvas. Do lado de fora, teriam ficado mais duas pessoas, supostamente responsáveis pela fuga. O ganho material para tudo isso seria, em tese, modesto demais.
A Comissão da Verdade do Rio deve discutir a possibilidade de pedir para acompanhar diretamente as investigações. Os conselheiros, que não descartam a possibilidade de motivação política para o crime, devem enviar um ofício com o pedido ao secretário de Segurança, José Mariano Beltrame.
Fonte – Estadão Online