Coronel confessou ao presidente Médici o sequestro de subversivos.
Comissao da Verdade do Rio transcreveu entrevista.
O coronel reformado do exército Paulo Malhães confirmou em depoimento a Comissão da Verdade Rio que ajudou militares argentinos a capturar subversivos do regime latino-americano no Brasil. Alguns deles, segundo depoimentos, estavam asilados na cidade do Rio durante a ditadura na Argentina. A informação foi divulgada nesta sexta-feira (30) no encontro mensal do Fórum de Participação (CEV-Rio), que citou trechos da transcrição de cerca de 23 horas de diálogo gravado entre o coronel e os membros da comissão.
Segundo trechos da transcrição, o coronel do setor de informação do exército confirma o sequestro dos guerrilheiros estrangeiros ao presidente Médici, que era “amigo” de Malhães, como dito nos diálogos, durante o regime ditatorial.
Médici teria questionado se Malhães sequestrou um “argentino importante” no Rio “Sequestrei, eu realmente sequestrei, mandei de volta para Argentina,” teria respondido o coronel.
Wadih Damous, presidente da CEV-Rio, informou que pretendia apurar melhor essa relação entre os regimes do Brasil e Argentina com o coronel, mas que não conseguiu fazer novas perguntas a tempo.
“A gente ia dar uma atenção especial a esse caso, mas ele [Paulo Malhães] foi assassinado. Isso mostra que havia uma colaboração entre as ditaduras, mostra provavelmente uma atividade da Operação Condor. E ele [Malhães] disse mais, disse que chegou a ser interrogado no lado argentino e no Uruguai”, explicou Damous.
Durante as conversas entre a comissão e o militar, Malhães assumiu que participou do sequestro de um guerrilheiro argentino que fazia uma conexão aérea no Rio de Janeiro e que tinha como destino a Venezuela.
Segundo Wadih Damous, o oficial comentou que o argentino foi levado de volta para o país de origem dopado e engessado, para que não oferecesse resistência. Malhães disse em depoimento que tinha o apoio de médicos para drogar os subversivos.
“Eu guardei os frasquinhos que o médico me deu, junto com as finalidades. Esses frasquinhos foram até usados pelo SNI [Serviço Nacional de Inteligência]. Maravilhosos os frasquinhos, eles serviam para várias coisas, fazer ter um AVC [Acidente Vascular Cerebral], por exemplo”, dizia a transcrição.
Corpos na Floresta da Tijuca
Em outro momento do encontro, Paulo Malhães teria dito, segundo Damous, que o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do Exército tinha o costume do enterrar corpos de guerrilheiros na Floresta da Tijuca, Zona Norte. O presidente da Comissão da Verdade comentou que a comissão pensa em apurar essa informação, mas descartou a possibilidade de fazer escavações no local.
“A Floresta da Tijuca é um pouco grande, mas há outros agentes que confirmam essa versão e é com eles que nós vamos procurar saber a localização desses corpos, onde foram enterrados”, explicou Wadih.
Na transcrição do depoimento, Malhães havia dito que “para mim, eles tinham mania de enterrar, porque fica mais difícil de achar.”
Tortura psicológica
No resumo apresentado pela comissão, o oficial afirmou que preferia fazer a tortura psicológica do que a física, porque desse jeito conseguiria extrair mais informações das vítimas. Havia também, segundo a comissão, a preferência por locais fora do exército, como casas, sítios e apartamentos para fazer as torturas. Essa seria a garantia de atuação livre e mais autônoma, sem risco de apuração por parte das autoridades.
Morte de Malhães
Policiais da Divisão de Homicídios (DH) da Baixada Fluminense prenderam na manhã desta sexta mais um suspeito do assalto ao sítio do coronel, em Nova Iguaçu, no dia 25 de abril. O preso é Anderson Pires Teles, de 26 anos, irmão do caseiro do sítio, Rogério Pires, que já está detido por suspeita de participar do crime. O assalto culminou com a morte do coronel, que sofreu um ataque cardíaco.
A Comisão de Direitos Humanos do Senado, que recentemente conversou com o caseiro Rogério Pires oferecendo apoio da Defensoria Pública, pretende pedir a quebra de sigilo do inquérito que invetiga a morte do coronel junto ao Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ). Segundo Wadih Damous, a iniciativa deve ser tomada por que a comissão entende que o crime possa ter sido “queima de arquivo”.
“Não sabemos porque o juiz que cuida do caso restringiu o acesso ao inquérito. Nós dividimos a comissão (dos Direitos Humanos do Senado) em duas, uma delas vai tentar ter acesso a trechos do inquérito para entender a justificativa do juiz. Mas, de qualquer forma, vamos pedir a quebra do sigilo”, explicou.
Damous também questiona o direcionamento das investigações por parte da Polícia Civil. Segundo ele, a versão de que o oficial teria sido vítima de um latrocínio, ou seja, roubo seguido de morte, foi a única adotada pela polícia.
“Questiono as investigações porque a polícia entendeu que essa é a principal suspeita, então eles vão prosseguir com as investigações somente nessa direção. Acho que a queima de arquivo não deveria ser descartada”, finalizou.
Fonte – G1