A Comissão Nacional da Verdade (CNV) ouviu nesta quarta-feira dois ex-comandantes da Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro, local onde pelo menos 15 pessoas ficaram presas durante a ditadura militar e onde foi morto, em maio de 1971, o militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) Stuart Angel.
Pela manhã, o coordenador da CNV, Pedro Dallari, ouviu o coronel Antônio da Motta Paes Júnior, comandante da base nos anos de 1973 e 1974, período imediatamente posterior ao desmonte do centro de repressão. De acordo com Dallari, o coronel relatou que recebeu ordens para não se envolver com questões de segurança.
“Quando o coronel assumiu, em 1973, a base já não era um centro de tortura, mas ele faz referência específica ao fato de que, ao assumir, recebeu do ministro da Aeronáutica de então, Araripe Macedo, e do chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, brigadeiro Paulo Sobral, orientação clara de que no comando da base aérea ele não deveria se envolver com as atividades que lá se realizavam, relacionadas com o sistema de segurança, conduzidas pelo Cisa (Centro de Informação e Segurança da Aeronáutica)”, informou.
De acordo com Dallari, o coronel ilustrou como operava a dualidade entre a estrutura regular das Forças Armadas e a estrutura de segurança, já identificada pela CNV no âmbito do Exército, e relacionada diretamente ao gabinete do ministro nos dois casos.
Também pela manhã, o membro da comissão José Carlos Dias ouviu o brigadeiro Jorge José de Carvalho, que comandou a Base Aérea do Galeão entre 1971 e 1972, em sua residência. Dias relata que o coronel tem 96 anos e está bastante lúcido, que o recebeu cordialmente e se colocou à disposição para dar todas as informações. Porém, apesar de estar à frente da base aérea quando foi morto Stuart Angel, o brigadeiro disse que era um burocrata, e as atividades do Cisa eram “absolutamente independentes”.
“Ele disse que ignorava, que nunca tomou conhecimento desse fato (a morte de Stuart Angel), e chegou a dizer que nunca tomou conhecimento da existência de presos políticos na Base Aérea do Galeão. Dei a ele a relação de todos os presos políticos que estiveram na Base Aérea do Galeão, e ele afirmou ignorar a presença dos presos. Negou que existisse uma prisão específica para presos políticos, e disse que lá só tinha presos que cometiam alguma irregularidade dentro do quartel.” Dias lembra que o brigadeiro não é apontado como tendo participação nos atos de repressão, mas acha que seria muita incompetência, por parte dele, não ter conhecimento sobre o que ocorria “na sua casa”.
Segundo Dias, “o depoimento não contribuiu, no sentido de que ele negou qualquer envolvimento, mas as mentiras que foram contadas serão absolutamente desmascaradas no nosso relatório. Ele não foi apontado por ninguém, mas as coisas aconteciam sob seu comando, é inacreditável que ele não soubesse das violências, das torturas que foram praticadas, inclusive da morte de Stuart Angel. Eu relembrei a ele a forma como Stuart foi morto, amarrado com a boca no escapamento de uma viatura e recebendo todo aquele gás. O brigadeiro disse ‘não, mas que coisa horrorosa, eu nunca ouvi falar de uma coisa dessa’. No fim, ele disse que tomou conhecimento pelos jornais”.
Dallari comentou que a sistemática falta de colaboração de militares com a CNV pode prejudicar a imagem das Forças Armadas como um todo. Também estavam previstos para serem ouvidos hoje, mas não compareceram, por alegado motivo de saúde, o general Newton Cruz, para falar sobre o caso Riocentro; e Ary Casaes Bezerra Cavalcanti, comandante da Base Aérea de Santa Cruz entre 1970 e 1972.
Para amanhã estão previstos os depoimentos do coronel reformado Wilson Luiz Chaves Machado, que era capitão do Exército e estava no carro em que explodiu uma das bombas no Riocentro, que matou o sargento Guilherme Pereira do Rosário; e de Nelson da Silva Machado Guimarães, ex-juiz da 2ª Auditoria da Justiça Militar Federal de São Paulo e ex-ministro do Superior Tribunal Militar – juiz auditor que mais atuou no julgamento de crimes políticos.
Durante toda a semana a CNV toma depoimentos de ex-agentes da repressão no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.
Fonte – Agência Brasil