Livro relata histórias que ocorreram nos porões do Dops de Pernambuco e como atuavam os agentes da repressão
Morto por engano. Esta talvez seja a justificativa mais adequada para a morte do tratorista Pedro José Ferreira, preso em 19 de julho de 1967 e falecido cinco dias depois dentro da sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na Rua da Aurora, no Centro do Recife. O trabalhador do Engenho Poço Sagrado foi preso em virtude do nome. Era homônimo de outro “Pedro José”, militante das Ligas Camponesas, considerado um movimento “non grato” do regime militar brasileiro (1964-1985). Perdeu a vida, após sessões de tortura, sem motivos aparentes. Não há registros sobre familiares nem de investigações sobre seu caso, que só agora se perpetua na história sob forma de livro.
Estas e outras descobertas estão no livro Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil do Dops-PE, lançado pela Editora UFPE, da historiadora Marcília Gama, professora do curso de história da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e coordenadora do Memorial da Justiça do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 6º Região. A obra é um dos melhores registros de como a ditadura militar trabalhava para investigar militantes de esquerda, fabricar provas contra adversários e se reciclar enquanto instituição. Sim, tudo era feito com muito estudo, inclusive, com ajuda do governo norte-americano.
“Havia um acordo depois da 2º Guerra Mundial de que os Estados Unidos ajudariam o Brasil na defesa interna. Isso com o medo do comunismo. Depois da pressão de estados como Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro, essa ajuda chegou, mas só na década de 1960”, diz a historiadora, que relata a chegada de armamentos, aparelhos de grampo e telefones móveis (que lembram os celulares de hoje em dia) direto do país norte-americano. “Houve uma época que delegacias já chegavam prontas, em termos de estruturas, em navios norte-americanos. Não havia restrição na alfândega por conta do acordo”, completa.
O livro de Marcília é esclarecedor e provocante. O primeiro é no sentido histórico propriamente dito. Ela resgata a fundação do Dops ainda na Era Vargas (1930-1945), mostrando que as torturas não eram “inéditas” na década de 1960. O outro é pelo vestígio do espaço. A sede do Dops em Pernambuco, por exemplo, ainda serve como sede da Polícia Civil do estado. “Na década de 1990, alguns militantes derrubaram a sala de interrogatórios e perdemos esse registro”. Mas a sede do órgão, que foi a casa do político pernambucano Francisco do Rêgo Barros, o Conde da Boa Vista (1802-1870), continua lá, sem nenhum registro do seu passado antidemocrático.
Saiba mais
Morte de Pedro José Ferreira
O tratorista Pedro José Ferreira teve o registro de motivo de “morte” adulterado em sua ficha no Dops. Morto alguns dias após a prisão, ele teria sido confundido com um militante das Ligas Camponesas, que tinha o mesmo nome. Na triagem do Dops, um prontuário atesta sua morte em plena delegacia em 21 de julho de 1967. Não há registro sobre familiares nem da repercusão da tragédia.
Propaganda anticomunista
Na década de 1960, os então chefe de polícia Arnaldo da Costa Lima e o secretário de Segurança Pública João Roma encomendaram, direto do Rio de Janeiro, cartazes “anticomunistas”. As peças, que seriam distribuídas para a população não letrada em escolas e igrejas, traziam mensagens fazendo associação das esquerdas com trabalho escravo, ódio
e violência. Os cartazes circularam até a década
de 1970.
Caso de Gildo Moreira Lacerda
O militante da Ação Popular Gildo Moreira Lacerda morreu, segundo documentos do Dops, após uma troca de tiros na Av. Caxangá no Recife. O Dops de São Paulo diz que ele veio prestar um depoimento no Recife. O curioso é que, no dia 1º de novembro de 1973, a imprensa anuncia a morte dele e de José Carlos da Mata no tiroteio, sendo que no mesmo os dois estavam prestando o depoimento no Dops da capital. Os dois estão desaparecidos até hoje.
Fonte – Diario de Pernambuco