À Comissão da Verdade, Pedro Ivo Moézia negou ter torturado na ditadura.
Coordenador do grupo diz acreditar que ele não tem ‘mãos sujas de sangue’.
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV) nesta terça-feira (9), o coronel reformado Pedro Ivo Moézia de Lima, que chefiou interrogatórios no Destacamento de Operações e Informações de São Paulo (DOI-Codi/SP), defendeu o uso de castigo físico para obter a confissão de crimes.
“Você vai me perguntar se está certo você impor sofrimento físico a alguém para que ele confesse um crime? Eu acho que está certo. Eu apoio que se imponha sofrimento físico com a finalidade de se preservar a vida humana”, afirmou aos integrantes da comissão.
Negando que pessoalmente tivesse praticado tortura no período, Moézia disse que havia um “comando paralelo” com participação da Polícia Civil de São Paulo e de integrantes das Forças Armadas destinado a colher informações dos presos na década de 70. O militar disse que não havia ordem superior para castigar presos. “Institucionalmente não havia tortura. Mas eu imagino que possa ter havido”, afirmou. “Só um idiota imagina que não haja”.
Moézia foi chefe da equipe de interrogatório entre 1970 e 1972, tendo integrado a equipe do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi acusado de ter torturado e assassinado pessoas dentro o órgão.
Durante depoimento na sede da Comissão da Verdade, em Brasília, o oficial disse que o “comando paralelo” tinha seu próprio método de trabalho. Questionado pelo coordenador da comissão, Pedro Dallari, quais seriam esses métodos, o coronel lembrou que os oficiais usavam a expressão “trabalhar o preso”. “Nisso você pode imaginar um monte de coisa”, afirmou.
Após insistência do conselheiro, Moézia foi mais claro: “ninguém desconhece que o método da polícia sempre foi esse, de castigo físico”.
A tarefa de Moézia dentro do DOI-Codi, segundo ele relatou, era colher depoimento dos presos depois de eles terem sido “trabalhados” pelos oficiais. Ele repetiu por diversas vezes que não presenciou nem praticou tortura contra os detentos e disse que os presos inclusive gostavam dele.
Em entrevista à imprensa após o depoimento, Moézia justificou sua posição.
“É preciso haver uma relativização da tortura, porque o bem mais precioso é a vida, não é a dignidade. Esse negócio de dignidade é palhaçada que o governo inventou. Importante é a vida. Se você tem uma informação que põe em risco a vida de pessoas, você tem que dizer a coisa, meu Deus. Agora, vai me falar em direitos humanos? Você mata um, dois, três, explode meio mundo e na hora que o cara te pega você fala em direitos humanos, em dignidade?”, afirmou.
‘Ninguém batia em ninguém’
“Na minha equipe, ninguém batia em ninguém. Eu não permitia que um preso fosse castigado porque eu tinha métodos mais persuasivos do que bater. Eu conversava, tratava com humanidade. Os caras se abriam comigo”, relatou o coronel.
A comissão mostrou ao militar um documento oficial do Exército segundo o qual houve 50 mortes dentro do DOI-Codi entre 1970 e 1975 – o documento foi encontrado pelo grupo no Arquivo Nacional em 2013. Moézia afirmou que a única morte que ocorreu durante sua gestão foi por problemas cardíacos.
“Não somos monstros, somos seres humanos que recebemos missões difíceis. Ninguém tem nervos de aço”, declarou.
Pedro Dallari disse que, em seu depoimento, Moézia reconheceu que havia dentro do DOI-Codi uma “estrutura paralela voltada para a prática de graves violações aos direitos humanos”.
O coordenador acredita, porém, que o coronel não deve ter participado diretamente das práticas de tortura no local. “Há pessoas com mãos sujas de sangue e outros não. Ele aparentemente não tem”.
Apesar de o oficial afirmar não ter conhecimento de episódios de tortura, o coordenador disse que “não podemos ser ingênuos em achar que uma pessoa que estava no comando de um lugar desse onde se torturou, se matou, não saiba do que aconteceu”.
Fonte – G1