Eleição de Tancredo marca transição do país para a democracia.
Tancredo e Ulysses (no alto) erguem os braços na sessão do Colégio Eleitoral; acima, o então candidato do PDS, Paulo Maluf, que foi derrotado. (Arquivo O Globo / Sérgio Marques/15-1-1985)Sorridente, Tancredo Neves ajeita a gravata enquanto o assessor Mauro Salles aguarda com o telefone na mão. Do outro lado da linha, o presidente João Figueiredo. Políticos, seguranças e jornalistas se acotovelam para ouvir o telefonema que marca o fim do regime militar. Era 15 de janeiro de 1985. Tancredo, do PMDB, havia acabado de ser eleito indiretamente presidente da República. Chove forte em Brasília; e o público se abriga sob uma bandeira nacional de 250 metros quadrados nos jardins do Congresso. Outros, mais animados, escalam a cúpula de concreto. É a festa da “Nova República”, termo cunhado pelo próprio Tancredo em seu discurso de vitória, e que completa 30 anos na quinta-feira.
— Que o senhor consiga dar ao povo brasileiro tudo aquilo que ele deseja e merece — diz o general ao presidente eleito, que nunca chegou a tomar posse.
Numa sessão que durou três horas e meia, o Colégio Eleitoral escolheu Tancredo por 480 votos, contra 180 do candidato Paulo Maluf, do PDS. Maluf vê 166 deputados de seu partido votarem no PMDB. Sob gritos de “traidor” por parte dos malufistas, o líder do governo, Nelson Marchezan, abstém-se.
Maluf encara a derrota, ignora as vaias e, diante das câmeras, abraça Tancredo. Nas praças das capitais, o público delira com o resultado, que já era esperado. O voto que garante a maioria a Tancredo é o de número 344 e vem do deputado João Cunha, de São Paulo:
— Tenho a honra de dizer que o meu voto enterra a ditadura funesta que infelicitou a minha pátria.
Na bancada do PT, os oito deputados haviam rachado sobre a determinação da legenda de se abster da votação. Dos oito, três se rebelaram, um deles o deputado Ayrton Soares, líder da bancada na Câmara. Ele, Bete Mendes e José Eudes foram expulsos. Aquele voto rebelde custou a Ayrton sua carreira no Congresso. Fundador do PT, passou por diversos partidos, mas nunca mais se elegeu. Hoje advogado em São Paulo, diz que não se arrepende e não economiza em elogios ao falar do papel de Tancredo na reconstrução democrática. Para ele, não haveria na política outro nome que fosse capaz de fazer uma “transição sem sangue”.
Eleito, Tancredo mostra em seu discurso como agiu desde a campanha das “Diretas Já”, no ano anterior, para a transição pacífica. Sem alusões aos tempos sombrios do regime militar, Tancredo fala do futuro, de um pacto democrático e da importância da Constituinte que estava por vir. Elogia as Forças Armadas por “sua decisão de se manterem alheias ao processo político”. No discurso, que teria contado com a ajuda do escritor Mauro Santayanna, Tancredo diz também que a vitória era esperada sem surpresas.
— Ele sabia que tinha que fazer transição com os militares, e não contra eles. Se fosse contra, o resultado poderia ter sido outro. Só aceitou assumir a candidatura quando houve a dissidência no PDS, que nos deu a esperança objetiva de ganhar a eleição. Tancredo conhecia o Congresso tanto quanto seu próprio rosto. Ele dava para a gente o mapa da mina e não se poupou nesse trabalho de cooptação pela causa democrática — conta o historiador Ronaldo Costa Couto, que foi ministro do Interior e ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República durante o governo Sarney, e era uma figura próxima de Tancredo desde sua gestão à frente do governo de Minas.
Aos 30 anos, a democracia que nasceu naquela eleição indireta tem se consolidado, mas ainda carece de avanços, afirma o cientista político Cláudio Couto, da FGV-SP. Para ele, entre os avanços estão os mecanismos de controle e fiscalização, como Ministério Público e controladorias:
— O país só avançou. Não acho que tenha regredido em nenhum tipo de indicador, sejam sociais ou econômicos. Temos uma democracia que se consolidou, e não se corre risco hoje de uma regressão autoritária. Mas falta avançar em todas essas frentes, como no combate à corrupção e no sistema eleitoral.
O cientista político José Álvaro Moisés (USP) também destaca a importância da reforma política e eleitoral:
— O Brasil é uma democracia. A questão é a qualidade. Há situações muito desiguais, e não se estabeleceu plenamente o império da lei. E há o desequilíbrio, a assimetria nas relações entre o Executivo e o Legislativo, que transforma o presidente brasileiro em um dos mais poderosos do mundo.
Fonte – Midia Max