Comissão Nacional da Verdade ouviu depoimento de participante do Massacre de Medianeira
“Na hora que acender a luz, você se joga (no chão)”. Foi essa a principal instrução dada ao agente Otávio Rainolfo da Silva, membro do Centro de Informações do Exército (CIE), antes de adentrar na mata para uma operação sigilosa.Era julho de 1974. Motorista do batalhão de Foz do Iguaçu (PR), Silva agia, ao lado do sargento Alberi Vieira dos Santos, como infiltrado entre cinco guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária, grupo clandestino que combatia a ditadura.
Antes disso, os cinco guerrilheiros estavam exilados na Argentina. Haviam desistido da luta armada, mas foram convencidos a voltar por Alberi. Disfarçado de esquerdista, o sargento dissera a eles que um novo foco de guerrilha seria formado no Oeste do Paraná. Os seis viajaram então da Argentina ao Parque Nacional do Iguaçu.
A luz era a senha para que os infiltrados se protegessem, instante em que os outros militares começariam a matar. A emboscada ficou conhecida como Massacre de Medianeira.
“De repente, as luzes acenderam, e teve um tiroteio. Praticamente acabou com todo mundo. Se eu não me deitasse, tinha morrido também”.
A descrição foi feita por Silva à Comissão da Verdade do Paraná, em junho de 2013, numa sessão reservada e em conjunto com a Comissão Nacional da Verdade. Parte de seu depoimento está no relatório do grupo paranaense, entregue em dezembro. O documento foi obtido pelo jornal “Folha de S.Paulo”.
Os cinco guerrilheiros – José Lavecchia, Joel de Carvalho, Daniel Carvalho, Victor Carlos Ramos e o argentino Ernesto Ruggia – foram mortos na emboscada. Outro líder da VPR que se juntaria ao grupo, Onofre Pinto, foi assassinado pelos militares dias depois. Os corpos dos seis nunca foram achados.
“O Alberi falou para eles (os cinco guerrilheiros) que tinha muitas armas guardadas. Convenceu na crocodilagem”, contou Silva.
Onofre ficara num sítio porque era “muito conhecido”. Junto com o ex-ministro José Dirceu e outros, ele havia sido banido do país após o sequestro e a libertação do embaixador dos Estados Unidos Charles Elbrick, em 1969.
Onofre foi levado a um centro do Exército, onde tentaram convencê-lo a atuar como “cachorro” (militante que mudou de lado e ajudava os militares). Dias depois, recebeu uma injeção de shelltox, um inseticida.
Segundo Silva, Onofre teve os dedos, a arcada dentária e tripas removidos. Depois foi jogado num rio. Os demais foram enterrados no parque, supõe o motorista.
O Ministério Público Federal chegou a abrir um inquérito em 2009 para apurar o desaparecimento dos militantes, mas o arquivou por falta de provas.
Malhães
Operador. Alberi, morto em 1979, era o principal ator da operação, chamada Juriti. Um de seus comandantes era o coronel Paulo Malhães, que, em 2014, assumiu torturas à Comissão Nacional da Verdade.
Fonte – O Tempo