Festival É tudo verdade mostra olhares sobre a ditadura

Filmes de Eduardo Escorel e Emília Silveira revisitam o Estado Novo e o governo militar

Num momento em que a crise faz refletir sobre episódios cruciais da política brasileira, dois períodos que marcaram a História do país serão revistos a partir de hoje no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade. “Imagens do Estado Novo 1937-45”, de Eduardo Escorel (com sessões programadas para hoje e amanhã), e “Galeria F”, de Emília Silveira (terça e quarta), que disputam a competição de melhor documentário nacional, aprofundam, cada um à sua maneira, os impactos de dois regimes ditatoriais sobre os rumos do país e da população.

Com ampla experiência em montagem, Escorel investe no que o título de seu filme sugere explicitamente. Pronto para ser exibido em futuras aulas de História, o documentário é rico em conteúdo, e explica, em miúdos, as manobras de Getúlio Vargas para formular uma nova Constituição e estender o seu primeiro mandato. Mas o trunfo do longa são mesmo as imagens de arquivo, que cobrem todas as frases narradas pelo próprio diretor.

Durante as quase quatro horas de projeção (as sessões terão intervalos de 15 minutos), são apresentadas cenas de propaganda oficial, registros amadores, filmagens caseiras e trechos de cinejornais alemães, diários e publicações da época. Algumas dessas imagens não são apenas inéditas, mas também incômodas. Uma delas, filmada pelo governo alemão, mostra diversas bandeiras com suásticas hasteadas no Rio. “Imagens do Estado Novo” relembra, com ênfase, o flerte de Vargas com o nazismo — ao mesmo tempo em que ele tentava manter boas relações com os Estados Unidos.

— Minha intenção não foi julgá-lo nem dourar a pílula, mas tentar dar uma visão multifacetada desse homem e de um governo ambíguo. Getúlio foi um equilibrista extraordinário — diz Escorel. — O que me moveu foi entender o fenômeno Getúlio. Hoje fala-se muito mais do presidente dos anos 1950 do que do de 1930, o ditador.

Chama atenção o fato de que, em momento algum, Escorel entrevista especialistas:

— Já fiz isso em outros documentários, mas essa fórmula está desgastada. Não aguento mais ver filmes em que as falas são recortadas. Há nisso um fator de manipulação, além de esfriar o documentário. Por isso parti para uma solução arriscada. Não poderíamos fazer um filme sobre o Estado Novo, mas sobre os vestígios sonoros e visuais desse período. Espero que entendam o motivo da escolha do título.

FUGA REFEITA 40 ANOS DEPOIS

O formato que Emília escolheu foi exatamente o oposto. Assim como fez em seu documentário anterior, “Setenta” (2013), ela praticamente abriu mão de material de acervo para focar em personagens atuais que enfrentaram períodos turbulentos. A câmera de “Galeria F” persegue Theodomiro Romeiro dos Santos, que começou a combater a ditadura de 1964 aos 14 anos. Aos 18, foi preso depois de matar um sargento à paisana que o havia capturado na Bahia. Theodomiro foi torturado e condenado à morte. Sobreviveu porque planejou uma bem-sucedida fuga. Quarenta anos depois, a diretora voltou aos locais em que ele foi encarcerado, refazendo os passos da fuga, num estilo que lembra um clássico road movie.

— Meu cinema só quer contar histórias de pessoas que sonharam em contribuir para um mundo melhor. O que espero ter deixado claro é que o ser humano aguenta muito mais coisa do que a gente imagina — destaca Emília, ela própria uma ex-militante e ex-presa política. — Mas não quero vitimizar meus personagens nem fazer proselitismo. Theo não tem uma história comum, mas é uma pessoa comum. Não trato de mitos nem heróis, mas de seres humanos.

O fato de os filmes chegarem a público neste período político conturbado, em que as palavras “golpe” e “impeachment” dominam o noticiário, é mera coincidência, dizem os diretores.

— Não queria mesmo que estivéssemos passando por esta crise — afirma Emília. — Neste sentido, foi uma coincidência infeliz. Por outro lado, o filme pode ajudar as pessoas a entender melhor o passado para que aquela realidade não se repita.

— Creio que o filme mostra claramente o que é um golpe. O que vivemos hoje é uma situação distinta — diz Escorel. — As pessoas podem concordar ou não, mas o processo (de impeachment) está previsto na Constituição.

 Fonte – O Globo

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