Mudanças em nomes de escolas provocam polêmica em MT

Unidades que homenageavam Filinto Müller e Castelo Branco tiveram denominações alteradas

 

A troca do nome de duas escolas de Mato Grosso que homenageavam políticos ligados a períodos de ditadura no Brasil provocaram polêmica entre historiadores e intelectuais na semana passada.

A medida atende a uma recomendação da Comissão da Verdade e à Lei Estadual nº 10.343, de 1º de dezembro de 2015, de autoria do deputado estadual Guilherme Maluf (PSDB).

No caso da Comissão Nacional da Verdade, a orientação é alterar nomes de logradouros que homenageiam pessoas ligadas à Ditadura Militar.

Já a lei de Maluf dispõe sobre a vedação de homenagens a pessoas que tenham praticado atos ou que tenham sido historicamente considerados participantes de atos de lesa-humanidade, tortura, violação dos direitos humanos, entre outros.

As unidades cujos nomes foram alterados são: a Escola Estadual “Humberto Castelo Branco”, no Município de Luciara (a 1.116 km de Cuiabá), que passa a chamar “10 de Maio”; e a Escola Estadual “Senador Filinto Muller”, em Arenápolis (a 258 km da Capital), que adota o novo nome de “Onze de Agosto”.

“No caso das duas escolas, nem Castelo Branco, nem Filinto Müller foram julgados e condenados. O julgamento que está sendo feito é ideológico. Neste caso, o Governo de Mato Grosso comete um ato descaradamente autoritário, de indisfarçado arbítrio”, diz o historiador e presidente da Academia Mato-grossense de Letras, Sebastião Carlos de Carvalho.

De acordo com o historiador, outros países como a Argentina – em que leis semelhantes também foram implantadas para a retirada de nomes de personagens da ditadura -, houve julgamento e condenação.

No caso de Filinto Muller, a crítica ainda é mais contundente. O cuiabano Muller é considerado um dos mais importantes nomes da política mato-grossense na História. Ele foi chefe da Polícia Civil de Getúlio Vargas, além de senador por quatro mandatos.

O advogado e escritor Eduardo Mahon é outro crítico da mudança e também um defensor de Filinto.

“No caso especifico de Filinto Müller, nós temos uma versão de torturador e violento, que é uma versão de [Assis] Chateaubriand, através do jornalista David Nasser, que escreveu o livro ‘Falta Alguém em Nuremberg’. Muitos anos depois, o próprio Luiz Carlos Prestes, que teve a mulher deportada, disse no programa do Jô [Soares], que Filinto Müller não deportou mulher alguma. Quem deportou sua mulher foi o Supremo Tribunal Federal”, explica.

Bruno Cidade/MidiaNews

Eduardo Mahon

O advogado e escritor Eduardo Mahon teme por educação mato-grossense

O advogado se refere-se à Olga Benário Prestes, militante comunista de origem judia, casada com Luiz Carlos Prestes, que morreu em um campo de concentração na Alemanha, em 1942. Ela era perseguida política no governo Vargas.

Autor da lei, Maluf concorda com as críticas dos intelectuais. “No meu ponto de vista, sou contra a retirada dos dois nomes. Esses políticos não foram julgados. Mas tem que ser pesado o que a comunidade deseja”, revela o político.

Comissão da Verdade

A mudança nos nomes atende à recomendação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011 para investigar crimes no período da Ditadura Militar que violam as diretrizes dos direitos humanos.

“[…] Promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações”, diz a recomendação da Comissão.

No relatório elaborado pela comissão, há centenas de nomes de agentes públicos apontados como responsáveis por crimes no período ditatorial.

O marechal Castello Branco é um deles. Ele foi o primeiro presidente após o Golpe Militar, em 1964, e criou o Serviço Nacional de Informações (SNI).

Outro nome de destaque na lista é do general Emílio Garrastazu Médici (presidente de 1969 a 1974).

Ele foi presidente nos anos mais duros da ditadura, implantou o Ato Institucional número 5 (AI-5) e Destacamentos de Operações de Informações-Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

Filinto Müller não aparece na lista, pois a comissão investigou apenas o período da Ditadura Militar e as acusações que recaem sobre ele são referentes ao Governo Vargas, que foi presidente em dois períodos – 1930 a 1945 e de 1950 a 1954.

Medida abre brechas

Sebastião Carlos lembra que uma das maiores escolas públicas de Cuiabá leva o nome do general Médici e explica que, esta sim, deveria ter o nome alterado.

A sugestão do historiador é que, para que o impasse seja resolvido, haja um “julgamento social” das personalidades mato-grossenses e que possuem homenagens no Estado.

Assim, sociedade civil se uniria e determinaria o que vale ou não.

“Seria o que Bertrand Russell, na década de 60, fez com relação à guerra do Vietnã. Seria um julgamento moral e ético, mais do que um julgamento efetivo”, diz.

Ele critica a forma como logradouros são batizados no Brasil, por meio da Câmara de Vereadores.

O temor é que, por ser uma decisão política, abram brechas para que outras medidas parecidas sejam tomadas dependendo da visão política do gestor e legislativo.

“Supondo que mude o governo da República, entra um grupo mais a direita, baixam uma lei para voltar os nomes das escolas. Neste caso, a população deveria ser ouvida” diz Sebastião.

Apesar das críticas, o historiador afirma que não é favorável à ditadura militar e pontua apenas o não cumprimento da lei estadual de maneira integral.

Sem história, mesmos erros

Alair Ribeiro/MidiaNews

Guilherme Maluf 25-10-2017

O deputado estadual, Guilherme Maluf, autor da lei

Mahon conta que o governador Pedro Taques errou ao sancionar a lei em 2015, já que recebeu da Assembleia Legislativa a comenda que leva o nome do senador Filinto Muller.

Na ocasião receberam a honraria junto ao governador de Mato Grosso, o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, e o presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, Junior Mochi.

“A gafe maior não foi a derrapada do governador, Pedro Taques, que faz parte da Ordem Filinto Muller. O que não perdoo é a ausência de história, geografia e literatura mato-grossense em sala de aula. É aí que cometemos e vamos deixar que nossa juventude cometa erros históricos que são verdadeiras barbaridades”, critica Mahon.

Para o advogado, a comunidade escolar perde quando não estuda a figura do senador Filinto Muller.

“Filinto Müller ajudou centenas de cuiabanos no Rio de Janeiro. Quem perdeu foi a escola que não sabe que Filinto Müller foi líder do Governo Juscelino Kubitschek. E que graças a ele e a Leonel Brizola, João Goulart assumiu o poder no Brasil, senão teria levado um golpe em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros”, diz.

Há ainda críticas por parte da família Müller, que tem um nome de seu membro, retirado de uma homenagem.

“Os jovens precisam saber dessas histórias até para não errarmos de novo. Até porque um Muller está no governo [referindo-se a Guilherme Muller, secretário de Planejamento]”, disse Mahon.

O outro lado

A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Educação esclareceu à reportagem que, mesmo com a recomendação da Comissão da Verdade, ainda não há abertura de nenhum processo para a mudança de nome de outras escolas.

A secretaria afirma que a alteração dos nomes teve participação da comunidade escolar, mas que, determinou as duas unidades que assembleias sejam marcadas para a rediscussão do tema.

Veja o que diz a lei aprovada na Assembleia:

Lei de Maluf

O Governo do Estado divulgou nota sobre o tema. Confira abaixo:

 

“Em relação às recentes alterações de denominações de unidades escolares, a Secretaria de Educação, Esporte e Lazer (Seduc) esclarece:

1 – De acordo com a Instrução Normativa nº 015/2010 e a Resolução 02/2013/CEE/SEDUC/MT, é de responsabilidade dos Conselhos Deliberativos da Comunidade Escolar (CDCEs) gerenciar a escolha e a mudança de denominação das unidades escolares em Mato Grosso;

2 – Por respeito à gestão democrática e às decisões tomadas pelos CDCEs, a Seduc encaminhou ofício aos referidos conselhos das Escolas Estaduais de Luciara e Arenápolis solicitando que convoquem novas Assembleias Gerais para deliberar sobre a questão;

3 – Caso seja decidido nessas assembleias (que devem contar com a participação da sociedade e assinatura em ata de todos os presentes) pela permanência dos nomes de origem, o governador Pedro Taques irá revogar os decretos que autorizaram a mudança;

4 – A Seduc também encaminhou um ofício para o Ministério Público Federal (MPF) solicitando a revisão da determinação ministerial e o arquivamento do Inquérito Civil nº 1.20.004.00109/2016-34, que recomendava a alteração da denominação de determinadas escolas estaduais, sob pena de responder administrativa e judicialmente, em virtude da Lei Estadual nº 10.343, de 1º de Dezembro de 2015;

5 – Não existem outros inquéritos em andamento.  Caso novas solicitações dessa natureza sejam encaminhadas, a Seduc irá, juntamente com os CDCEs, promover um amplo debate, já que o tema é muito importante e caro a toda sociedade mato-grossense.”

Fonte – Midia News – 12.11.2017