Para membros do MPSP, grupo faz apologia à tortura
Após tomar conhecimento que o grupo “Direita São Paulo” anunciou a criação de um bloco carnavalesco chamado “Porão do Dops”, celebrando a prática da tortura no período da ditadura militar e homenageando o coronel e conhecido torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, Área de Inclusão Social, instaurou procedimento preparatório de inquérito civil (PPIC).
Na portaria de instauração, os promotores de Justiça Beatriz Budin e Eduardo Valério destacam que, segundo apurado, o grupo pretende se reunir na capital paulista no dia 10 de fevereiro, sábado de carnaval, sendo previsto para o evento “cerveja, opressão, carne, opressão e marchinhas opressoras”. O encontro vem sendo divulgado principalmente via Facebook.
Para a Promotoria, a divulgação do evento viola princípios da denominada Justiça de Transição (conjunto de medidas jurídicas, políticas, culturais e administrativas que visam à consolidação do regime democrático a partir das experiências históricas vividas no regime de exceção política), afrontando os direitos à verdade e memória, enaltecendo a prática reiterada de tortura durante o período militar no Brasil, em desrespeito às vítimas e seus familiares, além de promover a apologia do crime de tortura, o que extrapola o legítimo exercício do direito de expressão.
Os promotores de Justiça destacam que o espaço físico do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão repressivo estatal da ditadura militar e que dá nome ao bloco carnavalesco, foi reconhecido pela Comissão Nacional da Verdade como sendo um daqueles em que acontecia a prática de tortura. “Ademais, a expressa e específica alusão ao ‘porão’ do Dops demonstra o inequívoco propósito de divulgar e enaltecer a prática da tortura (…). E a expressão ‘porão’, associada àquele período histórico, numa dimensão simbólica, diz respeito às ilícitas práticas de repressão violenta e, sobretudo, à tortura”.
A portaria ressalta ainda que, embora a liberdade de expressão seja direito previsto na Constituição, sabe-se que não há garantia constitucional absoluta, de modo que as liberdades públicas devem ser exercidas de maneira harmônica, respeitando seus limites explícitos e implícitos. “No presente caso, o que excede a liberdade de expressão não é a existência de um bloco carnavalesco que exalte posicionamentos políticos ligados à direita (…). O excesso que deve ser coibido e que viola direitos fundamentais se relaciona à divulgação e à apologia da tortura, que se expressa, dentre outras maneiras, na nomenclatura do bloco, que exalta o espaço físico onde a Comissão Nacional da Verdade apontou que aconteciam sessões de tortura contra opositores ao governo militar (…); e à divulgação da imagem do coronel Brilhante Ustra, pessoa que só ganhou notoriedade a partir de sua condição de conhecido torturador”, diz o documento.
Assim, a Promotoria recomendou que Edson Salomão e Douglas Garcia, integrantes do Movimento Direita São Paulo e responsáveis pelo bloco carnavalesco, adotem providências imediatas “para cessar qualquer divulgação ou publicidade do bloco carnavalesco e seus eventos, bem como outras manifestações variadas, que se constituam em apologia a crimes ou em enaltecimento da prática da tortura. Em especial, recomenda-se que sejam removidas da divulgação do bloco carnavalesco as expressões ‘Porões do Dops’ e a menção a nomes e imagens de notórios torturadores, tais como o coronel Ustra ou outros, como o delegado Sérgio Fleury. Tudo de modo a se garantir a liberdade de expressão do pensamento dos adeptos do bloco, mas assegurando-se o respeito aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal”.
Ademais, os membros do MPSP solicitam que o Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap) instaure inquérito policial para apurar a eventual prática de apologia ao crime por parte dos representantes do bloco.
O ofício será enviado também à Prefeitura de São Paulo recomendando que o poder público se abstenha de emitir qualquer autorização para atividades do Bloco de Carnaval ‘Porão do Dops’, até que os organizadores acatem a recomendação da Promotoria de Justiça, de forma a se evitar a apologia do crime de tortura.
Fonte – Jornal do Brasil