Ossada de desaparecido político da ditadura é identificada quase 50 anos após morte

As ossadas do paulista Dimas Antônio Casemiro foram identificadas neste mês, quase 50 anos depois de ele ter sido torturado e morto pela ditadura militar em 1971. A identificação foi feita por um laboratório na Bósnia, para onde os restos mortais tinham sido enviados em setembro do ano passado. A análise foi feita em conjunto com o Grupo de Trabalho Perus (GTP-Perus).

Em setembro de 1990, foi descoberta a vala clandestina de Perus, no cemitério Dom Bosco, na Zona Norte de São Paulo. Lá, Dimas havia sido enterrado como indigente. As ossadas foram enviadas à Bósnia pelo Grupo de Trabalho Perus, que assumiu as análises em 2014 e busca identificar 41 desaparecidos políticos.

Apenas três pessoas tinham sido identificadas desde a descoberta da vala clandestina – duas delas logo depois do achado, em 1991. Um dos identificados foi o irmão de Dimas, Dênis Casemiro, também torturado e morto pela ditadura militar em 1971.

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Segundo o coordenador científico da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Samuel Ferreira, a identificação genética foi confirmada pelas análises antropológicas, odontológicas e informações ‘ante-mortem” (antes da morte) de Dimas, relativas à altura, idade, dentição e trauma por ação de projétil de arma de fogo.

“Assim, conseguimos um resultado de uma identificação extremamente complexa pelas características do material ósseo e dentário e o contexto histórico em que os remanescentes ósseos se encontravam, após 47 anos de espera pelos familiares”, disse o perito médico-legista e geneticista forense, que também é diretor do Instituto de Pesquisa de DNA Forense da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).

Foto de setembro de 1990 mostra funcionário colocando em sacos plásticos cerca de 1.500 ossadas encontradas em uma vala do cemitério Dom Bosco em Perus, Zona Norte da capital. (Foto: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Arquivo)

Foto de setembro de 1990 mostra funcionário colocando em sacos plásticos cerca de 1.500 ossadas encontradas em uma vala do cemitério Dom Bosco em Perus, Zona Norte da capital. (Foto: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Arquivo)

Militante morto aos 25 anos

Dimas era militante do grupo VAR-Palmares e foi também dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Ele foi morto aos 25 anos de idade depois de dias preso e apresentando sinais de tortura. Dimas era casado com Maria Helena Zanini, com quem teve o filho Fabiano César.

Seu irmão, Dênis Casemiro, foi sequestrado e morto pela ditadura quando tinha 28 anos. Os irmãos Casemiro eram de Votuporanga, no interior de São Paulo. Segundo um documento da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, do governo federal, antes da militância, Dimas foi corretor de seguros, vendedor de carros e tipógrafo.

Documentos dos órgãos de segurança acusam Dimas de ter participado de operações armadas, inclusive a que matou o industrial Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragás, em 1971, em São Paulo.

Fotos de desaparecidos políticos estão no Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), da Unifesp, onde ossadas foram limpas e amostras foram selecionadas (Foto: Paula Paiva Paulo/G1)

Fotos de desaparecidos políticos estão no Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), da Unifesp, onde ossadas foram limpas e amostras foram selecionadas (Foto: Paula Paiva Paulo/G1)

Grupo de Trabalho de Perus

O Grupo de Trabalhos de Perus recebeu as amostras após as ossadas passarem por duas universidades (veja linha do tempo abaixo).

O GTP começou os trabalhos após uma cooperação firmada entre as secretarias de Direitos Humanos dos governos federal e municipal, junto com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e a Unifesp. O grupo analisa 1.047 caixas com ossadas retiradas de Perus.

Em setembro de 2017, as ossadas foram enviadas para o International Commission on Missing Persons (ICMP), laboratório bósnio escolhido porque tem experiência com a análise de mais de 20 mil casos de identificação humana no conflito da ex-Iugoslávia.

Na ocasião, foram enviados fragmentos de ossos, dentes e amostras de sangue de familiares referentes a 100 indivíduos que mais se enquadram nas características dos 41 desaparecidos políticos.

Acredita-se que, além de mortos pela ditadura, entre as ossadas encontradas na vala de Perus também há pessoas mortas em chacinas e por grupos de extermínio, que depois esconderam os corpos.

O grupo de trabalho é composto por peritos oficiais, professores universitários e por consultores nacionais e estrangeiros. Segundo o coordenador Samuel, “compondo uma equipe multidisciplinar nas áreas de medicina legal, antropologia forense, genética forense, odontologia legal, arqueologia, biologia e história”.

Foto de setembro de 1990 mostra funcionários da prefeitura colocando em sacos plásticos as ossadas encontradas em uma vala do cemitério Dom Bosco em Perus, Zona Norte da capital (Foto: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Arquivo)

Foto de setembro de 1990 mostra funcionários da prefeitura colocando em sacos plásticos as ossadas encontradas em uma vala do cemitério Dom Bosco em Perus, Zona Norte da capital (Foto: Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/Arquivo)

Veja linha do tempo desde a descoberta da vala clandestina em Perus:

  • 1990: Local é descoberto em 4 de setembro, e Prefeitura de São Paulo exuma mais de 1.000 sacos plásticos contendo as ossadas;
  • 1990: Trabalho de identificação é iniciado no departamento de Medicina Legal da Unicamp;
  • 1991: Duas ossadas são identificadas, uma delas é de Dênis Casemiro;
  • 1994: Análises são interrompidas;
  • 1998: Verifica-se a má conservação dos ossos, que ficaram armazenados em péssimo estado de conservação, empilhados em uma sala, com carteiras escolares em cima dos sacos, além de estarem molhados devido a uma inundação ocorrida no local;
  • 1999: Ministério Público Federal (MPF) interveio e, em setembro, foi instaurado na Procuradoria da República em São Paulo o Inquérito Civil Público nº 06/99, para apurar o lento andamento dos trabalhos na identificação das ossadas;
  • 2001: Com a intervenção do MPF, a Secretaria de Segurança Pública providenciou a transferência das ossadas da Unicamp para o Instituto Médico-Legal, para prosseguimento dos trabalhos sob a responsabilidade da Universidade de São Paulo (USP);
  • 2002: Ossadas são transferidas para o cemitério do Araçá;
  • 2005: Terceira ossada é identificada;
  • 2006: Trabalhos da USP são paralisados;
  • 2009: Paralisação levou ao ajuizamento de ação civil pública pelo MPF em São Paulo;
  • 2014: Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), da Unifesp, recebe as 1.047 caixas, e análise é assumida pelo Grupo de Trabalho Perus;
  • 2017: Mais da metade das caixas tiveram seu conteúdo limpo e analisado, e amostras de ossadas são enviadas para laboratório na Bósnia;
  • 2018: Ossada de Dimas Antônio Casemiro é identificada.

Fonte – G1