Seminário realizado pelo Colégio de A a Z, em parceria com O GLOBO, reúne alunos e leitores
Não eram nem 8h30m deste sábado e os dois andares da plateia do Teatro Oi Casa Grande já estavam lotados. No palco, o evento “1968: Presente”, tema do cinedebate promovido pelo Colégio e Vestibular de A a Z, em parceria com o jornal O Globo, que levou para conversar com alunos, e também leitores, convidados de notório saber e que viveram aquele ano incandescente, aberto com a Primavera de Praga e, para os brasileiros, encerrado com o AI-5. Participaram do debate os colunistas Zuenir Ventura e Carlos Andreazza, o repórter Chico Otavio, o médico Luiz Tenório, o jornalista Cid Benjamin, a documentarista Emilia Silveira e Rafael Pinna, vice-diretor do A a Z, que mediou o debate. Também participaram do evento os professores Roberta Luz (de História) e Aldene Rocha (de Artes).
A ideia de juntar pessoas com pensamentos diferentes provocou um rico debate. Previsto para terminar às 12h30, o encontro foi até 13h, e “duraria a tarde toda se dependesse dos alunos”, disse Pinna. Antes da conversa, a plateia assistiu a um documentário de quinze minutos sobre 1968, produzido pela editoria de vídeo do GLOBO, e a um trecho do documentário “Tropicália”, do diretor Marcelo Machado. A professora Roberta Luz fez uma apresentação em que procurou trazer 1968 para o presente – objetivo da iniciativa, que nasceu no ano passado de uma sugestão do repórter Chico Otavio, seis vezes vencedor do Prêmio Esso e autor de reportagens reveladoras sobre a ditadura militar, ao vice-diretor do colégio.
– Vivemos em um estado que não abraça as suas populações mais pobres, não dá oportunidade para os negros, e não é por falta de capacidade. Basta pensarmos em quantos negros estão neste teatro, quantos negros já tivemos como professores, quantos estão em posições de liderança na sociedade. Não vivemos mais um período ditatorial, mas as lutas de 68 continuam presentes – disse a professora. – Sobre as questões de gênero, as mulheres continuam lutando por protagonismo na sociedade, com representação pífia no Legislativo e salários desiguais em relação aos homens.
No debate, o primeiro a falar com o jornalista Zuenir Ventura, autor do livro “1968 – O ano que não terminou”. Ele começou lembrando o assassinato de Edson Luís de Lima Souto, morto no dia 28 de março daquele ano em frente ao restaurante Calabouço. Zuenir estava na janela da revista Visão, no sexto andar de um prédio a 200 metros do Calabouço, ao lado dos colegas Ziraldo e Washington Novaes.
– Foi a primeira vez que o Rio de Janeiro se uniu e foi pra rua contra a ditadura. Nenhuma geração no mundo, naquele período, sofreu mais do que a brasileira. Foi a mais corajosa. Enquanto lutavam contra a sociedade de consumo na França, lutava-se contra a repressão militar no Brasil – disse Zuenir.
Luiz Tenório, médico que, à época, presidia o centro acadêmico de medicina da UEG (hoje UERJ), e que esteve no enterro de Edson Luís, coleciona lembranças de 68. Pinna perguntou a Tenório se ele e seus companheiros tinham noção de que aqueles momentos seriam cruciais na história do país.
– Nós tínhamos uma utopia: achávamos que íamos derrubar a ditadura. Tivemos essa megalomania, de que o movimento estudantil poderia derrubar os militares. Tínhamos 20 e poucos anos e não tínhamos consciência do que se passava, mas sabíamos que o golpe traria grandes danos ao país e à sociedade brasileira. O ano foi muito marcante para mim porque começou com a morte do Edson Luís, mas houve outra morte emblemática, na porta do Hospital Pedro Ernesto, onde eu fazia residência – disse, lembrando o assassinato de Luiz Paulo da Cruz, aluno da faculdade de medicina.
Para a jornalista e documentarista Emilia Silveira, diretora de “Galeria F” e “Setenta”, ambos sobre o período da ditadura militar, “ainda estamos sofrendo as consequências da ditadura militar. O sistema de saúde pública e também de educação foram desmantelados”.
– Passamos 21 anos no obscurantismo da ditadura. A qualidade musical na época da ditadura se deveu a uma resistência da classe artística, que não deixou de trabalhar. O Brasil é um país que foi empobrecido em muitos sentidos pelos militares. Nesses 21 anos se formou uma geração que já não tinha uma boa escola, pois a educação pública foi desmantelada. Isso gerou um empobrecimento intelectual no Brasil.
Carlos Andreazza, editor-executivo do Grupo Editorial Record e comentarista da rádio Jovem Pan, além de colunista do GLOBO, falou sobre como foi, em seu período escolar, ser neto de Mário Andreazza, ministro de três governos militares.
– Nasci em 1980, tenho 38 anos, mas nasci neto da ditadura. Minha vida escolar e universitária foi muito prejudicada por ter sido neto de um ministro de governos militares. Não foi uma escolha, foi destino. Tive professores que haviam sido torturados e que não liam meu sobrenome na chamada. Eu entendia que aquilo era a resposta de um sujeito que havia sido submetido à barbárie. Eu tenho o direito de me orgulhar do meu avô, mas, se ele estivesse vivo, eu o questionaria. Ele não era obrigado a ser signatário do AI-5, por exemplo.
Andreazza rejeitou semelhanças entre 1968 e 2018. Disse repudiar comparações com aquele período “porque vivemos um período democrático, com eleições em outubro”.
– Os militares não querem mais saber de política, não haverá outra ditadura. O maior perigo, no meu entender, não vem da atividade política. A ameaça que vivemos hoje é a da desqualificação absoluta dos políticos e a concepção de que o judiciário pode administrar o Brasil.
Houve divergências entre os debatedores. Cid Benjamin, por exemplo, disse não guardar rancor de seus torturadores – chegou a almoçar com um deles, quando colaborava com a Comissão da Verdade, para tentar convencê-lo a colaborar com o trabalho da comissão. Tenório e Emilia disseram que não perdoam seus algozes. Tenório emocionou a plateia ao contar que um colega de faculdade estava entre os homens que o torturaram no DOI-CODI em 1972. Cid fez uma autocrítica.
– Participei da geração que entrou na luta armada. Com muito orgulho, porque nos entregamos por inteiro, com toda a generosidade, mas a luta armada foi um erro político, pois jamais poderíamos vencer.
O repórter do GLOBO Chico Otavio contou sobre uma reportagem recente.
– Em plena efervescência de 68, com as ruas pegando fogo, o Costa e Silva aceitou receber comissão de professores e estudantes no Palácio do Planato. Reunião negociada por bispo auxiliar do Rio, Dom Castro Pinto. Foi duro para a direção do movimento estudantil convencer os estudantes a ir lá conversar com o presidente, e também foi difícil para o presidente convencer seus ministros militares sobre a importancia de participar desse encontro. Talvez isso poderia ter evitado, quem sabe, o AI-5 no fim daquele ano. Mas para mim ficou claro que ninguém queria conversa. Os estudantes chegaram vestindo camisa, era uma reunião super formal, mas eles se recusaram a usar terno e a reunião já começou mal – disse Chico.
Aluna do pré-vestibular do A a Z na Barra da Tijuca – uma das sete unidades da instituição –, Larissa Santos, de 23 anos, voltou para casa satisfeita.
– Temos um cenário de polarização no país, então divergimos muito nos temas cotidianamente. Foi ótimo ter um debate que não tinha pessoas exatamente com a mesma opinião. Mesmo não concordando, elas estavam ali debatendo, conversando, e nós pudemos participar, perguntar, divergir. Isso ilustra o que é a democracia. Hoje tivemos acesso a conteúdos que não vemos na escola, no pré-vestibular. O momento mais comovente para mim foi o relato do Luiz Tenório. Ele ter contado que foi torturado por um amigo de turma dele, também médico, alguém que descumpriu todos os juramentos da medicina – disse ela, que sonha ser médica.
Para Rafael Pinna, o objetivo foi alcançado.
– A confirmação veio da reação da plateia, que vibrou o tempo todo. Qualquer debate com base histórica deságua no presente. Conseguimos falar de 1968, mas também de 2018.
Fonte – O Globo