O presidente do conselho do Instituto Vladimir Herzog, Ivo Herzog; ele tinha 9 anos quando o pai foi assassinado pela ditadura
A notícia a respeito da retomada da investigação sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog era esperada “havia mais de 40 anos” e trouxe “total esperança e total confiança” à família. A declaração é de Ivo Herzog, presidente do conselho do Instituto Vladimir Herzog, de São Paulo, e filho mais velho de Vlado, como o jornalista era conhecido.
Ivo falou ao UOL nesta segunda-feira (6), dia em que o MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo anunciou as primeiras medidas do novo inquérito instaurado para investigar a responsabilidade criminal de agentes da ditadura militar (1964-1985) pela morte do jornalista. Então com 38 anos e diretor de jornalismo da TV Cultura, Herzog foi preso e torturado em outubro de 1975 durante o governo de Ernesto Geisel. O jornalista foi dado como morto um dia depois de ter se apresentado voluntariamente para prestar depoimento ao regime.
O procedimento é coordenado pela Procuradoria da República em São Paulo. Segundo o MPF, a procuradora Ana Letícia Absy solicitou documentos e informações relativos à morte de Herzog às Comissões Nacional e Estadual da Verdade e a diversos outros órgãos, entre os quais, os Arquivos Nacional e do Estado de São Paulo. Também serão utilizadas na investigação fontes bibliográficas –entre elas, o livro “A Casa da Vovó”, do jornalista Marcelo Godoy.
“Estamos havia mais de 40 anos esperando e temos total esperança e total confiança na retomada dessa investigação”, afirmou Ivo. De acordo com ele, a família –sobretudo sua mãe e viúva de Herzog, Clarice Herzog – estará “à disposição para o que for necessário” nesse novo inquérito, ainda que, acredita, os depoimentos dela já estejam documentados.
A reabertura da investigação, com data da última sexta-feira (3), tomou por base as determinações da CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), que, este ano, condenou o Estado brasileiro por conta da falta de investigação, julgamento e punição dos envolvidos no assassinato do jornalista.
Em março passado, a CIDH classificou a morte de Herzog como crime contra a humanidade e defendeu que a Lei da Anistia não poderia ser aplicada como argumento para o Estado deixar de investigá-la.
“Quando saiu a sentença da corte, de início, ela não teve efeito imediato. Mas agora estamos reforçando nosso otimismo pelo fato de o MPF ter reaberto bem rapidamente o processo”, disse o filho de Herzog. “Esse é um dos casos mais conhecidos e mais documentados por meio de diversas fontes. Achei interessante buscarem informações via Comissão Nacional da Verdade; além do mais, as pessoas envolvidas nessa retomada, pelo MPF, têm um profundo conhecimento sobre o caso”, completou.
O STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu em 2010 a constitucionalidade da lei, mas seu teor, observa o MPF, contraria parâmetros jurídicos internacionais de proteção aos direitos humanos, como os estabelecidos na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, da qual o Brasil é signatário.
“A tortura e morte de Vladimir Herzog não foram um acidente, mas a consequência de uma máquina de repressão extremamente organizada e estruturada para agir dessa forma e eliminar fisicamente qualquer oposição democrática ou partidária ao regime ditatorial, utilizando-se de práticas e técnicas documentadas, aprovadas e monitoradas detalhadamente por altos comandos do Exército e do Poder Executivo”, definiu a CIDH na sentença.
Regime forjou versão inicial de suicídio
Filiado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), Herzog morreu em 25 de outubro de 1975 no mesmo dia em que se apresentou ao DOI (Destacamento de Operações de Informações)-Codi, em São Paulo, para prestar depoimento.
Ele foi preso imediatamente e não resistiu à tortura a que foi submetido nas dependências da unidade. Inicialmente, o regime forjou a versão de que ele teria praticado suicídio ao simular um enforcamento.
O Exército endossou a versão com base em perícia que atestava o suicídio. Porém, três anos depois, uma ação movida por familiares de Herzog levou a Justiça Federal a reconhecer a falsidade do laudo necroscópico e a atribuir o crime à União. Décadas mais tarde, o próprio Estado brasileiro admitiu sua responsabilidade, por meio de publicações da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2007) e da Comissão Nacional da Verdade (2014). Em 2013, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que as lesões e os maus-tratos sofridos durante o interrogatório constassem da certidão de óbito de Herzog.
Na esfera criminal, por outro lado, recentes tentativas de identificação dos autores não prosseguiram. Casos como o de Herzog ainda enfrentam resistências no Judiciário, que tem evocado não só a Lei da Anistia como também a suposta prescrição para barrar processos relativos a crimes da ditadura.
Das 36 ações que o MPF ajuizou nos últimos anos em todo o país contra agentes da repressão envolvidos em assassinatos de dissidentes políticos, somente duas estão em andamento em varas e tribunais federais. As dificuldades se estendem também à consulta a dados oficiais do regime militar. O MPF já buscou, por exemplo, informações sobre os servidores que atuavam no DOI, mas não conseguiu acesso aos arquivos do governo federal referentes ao período.
“São inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados”, destacou a CIDH.
Esta não é a primeira condenação do Brasil pela omissão em casos referentes a crimes durante a ditadura. Em 2010, a CIDH já havia proferido sentença contra o país devido à falta de investigação e julgamento dos responsáveis pela morte de militantes que atuaram na chamada Guerrilha do Araguaia.
Fonte – UOL