MPF pede anulação de decreto que trocou membros da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Para órgão, houve desvio de finalidade nas nomeações, que também não observaram o conhecimento e experiências requeridos para as vagas. Ação tramita na Justiça Federal do Rio Grande do Sul.

O Ministério Público Federal pede, em ação civil pública, que o decreto do presidente Jair Bolsonaro que determinou a substituição de quatro dos sete integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada para apurar os desaparecimentos e mortes durante a ditadura militar brasileira, seja anulado. O pedido tramita na 3ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre.

O órgão argumenta que as mudanças se deram sem observar os conhecimentos e experiências requeridos para assumir o posto na comissão. O MPF entende também que há “vícios de desvio de finalidade, motivação deficiente e inobservância do procedimento exigido para o ato”.

“As indicações são de livre nomeação do presidente, mas tem que ter um critério e as pessoas não precisam ser de direita ou esquerda, mas têm que ter histórico, compromisso com a finalidade da comissão”, ressalta um dos autores da ação, procurador regional Enrico Rodrigues de Freitas do Rio Grande do Sul.

Do Rio de Janeiro, assinam também o pedido os procuradores Sergio Suiama e Ana Padilha de Oliveira. Ambos os estados instauraram inquéritos para apurar a validade das nomeações, e solictaram informações ao Ministério da Mulher, da Cidadania e dos Direitos Humanos.

G1 entrou em contato com a Advocacia-Geral da União (AGU), e aguarda retorno.

A mudança na comissão ocorreu em 31 de julho, uma semana após o colegiado declarar que a morte, durante a ditadura militar, do pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santos Cruz, foi provocada pelo Estado. Segundo Bolsonaro, Fernando Santos Cruz foi morto pelo grupo de esquerda do qual fazia parte.

“Um dia se o presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”, disse Bolsonaro.

Questionado sobre o motivo da mudança, o presidente afirmou, na época: “O motivo [é] que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá [na comissão], ninguém falava nada. Agora mudou o presidente”.

O MPF requer que sejam anuladas as nomeações de Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro, Vital Lima dos Santos, Weslei Antônio Maretti e Marco Vinicius Pereira de Carvalho, assim como todos os atos praticados por eles na comissão.

“O que se está sustentando nesta ação é que a substituição discricionária de membros integrantes da CEMDP deve atender aos fins da Lei Lei 9.140/95 e às obrigações constantes da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund. Ocorre que não foi o que se passou com a edição do referido Decreto, pois a nomeação dos integrantes da CEMDP recaiu sobre pessoas com posições públicas contrárias aos objetivos do que trata a legislação”, destaca o documento.

Críticas

O MPF lembra que o decreto foi publicado dois dias após crítica da procuradora Eugênia Augusta Gonzaga, que ocupava a presidência da comissão, ao comentário do presidente sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz.

Eugênia foi exonerada, assim como afastados o deputado federal Paulo Pimenta, que atuou como representante da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a ex-integrante da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso, além de João Batista da Silva Fagundes.

“O trabalho desenvolvido pela comissão nada tem de ideológico, pois visa, antes de mais nada, atender a um mandamento constitucional, legal e ético, consistente na busca pelo paradeiro de desaparecidos em razão de atos cometidos pelo próprio Estado brasileiro durante o último regime de exceção”, informa o MPF.

Autonomia dos poderes

No caso da nomeação do deputado paranaense Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro (PSL), o MPF aponta que houve ofensa à autonomia e separação dos poderes. O órgão aponta que não houve consulta à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que deveria indicar o titular da vaga.

Criada em 1995 durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos é composta por sete membros. Sete deles devem ser escolhidos:

  • dentre os membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
  • dentre as pessoas com vínculo com os familiares das pessoas referidas em lista divulgada pelo governo federal em 1995
  • dentre os membros do Ministério Público Federal
  • dentre os integrantes do Ministério da Defesa (este item se referia, inicialmente, a integrantes das Forças Armadas, o que foi alterado em lei de 2004)

FONTE – G1