Repercussão de fala do Presidente: “8 de Janeiro me preocupa mais que golpe militar de 1964”, diz Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva provocou indignação ao afirmar que está mais preocupado com os atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado do que com o golpe militar de 1964, que completa 60 anos em abril. Em uma entrevista à RedeTV!, Lula minimizou o passado e enfatizou a necessidade de seguir em frente. No entanto, suas declarações foram duramente criticadas por vítimas da ditadura e seus familiares, bem como por diversos setores da sociedade. Eles argumentam que a fala de Lula demonstra falta de reconhecimento da resistência e dos traumas causados pela ditadura, além de desrespeito às vítimas e à memória histórica do país.

 


 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não quer ficar “remoendo o passado” e que está mais preocupado com os atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado do que com o golpe de 1964 que completa 60 anos em abril com desaparecimentos não resolvidos e militares anistiados.

“Estou mais preocupado com o golpe de janeiro de 2023 do que de 64, quando eu tinha 17 anos de idade”, disse. “Isso já faz parte da história, já causou o sofrimento de causou, o povo conquistou o direito de democratizar esse País, os generais que estão hoje no poder eram crianças naquele tempo”, disse o presidente. “Eu sinceramente não vou ficar me remoendo e vou tentar tocar esse País pra frente.” Lula deu as declarações em entrevista à RedeTV!, que foi gravada pela manhã e transmitida na noite de terça.

Lula também afagou seu ministro da Defesa, José Múcio. De acordo com o presidente, na gestão de Múcio, militares que comprovadamente participaram dos golpistas do dia 8 de janeiro estão sendo julgados e, se provados culpados, serão punidos. “Lembra algum momento que um general foi chamado pela Polícia Federal para prestar depoimento?” perguntou, dizendo que “em nenhum momento, os militares foram punidos como estão sendo agora”.

“Múcio tem feito um trabalho adequado”, disse o presidente, afirmando que é preciso aproximar a sociedade e as Forças Armadas e que a instituição “não pode ser tratada a vida inteira como se fosse inimiga”.

Torcida para Biden na eleição dos EUA

Mesmo declarando apoio à candidatura do presidente Joe Biden nas eleições deste ano nos Estados Unidos, Lula disse que torce para que o país “consiga se manter da forma mais democrática possível”. “Seria muito presunçoso tentar dizer que tenho um candidato nos Estados Unidos”, disse o presidente. Segundo Lula, o mais importante é isolar a extrema direita e garantir a manutenção da democracia. “E acho que ele [Biden] é mais garantia para regime democrático.”.

Conteúdo Estadão

28/02/2024 09h06… – Veja mais em https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/02/28/estou-mais-preocupado-com-o-golpe-de-janeiro-de-2023-do-que-de-64-diz-lula.htm?cmpid=copiaecola


Repercussão

Carta ao presidente Lula, por Lygia Jobim

Prezado Presidente Lula,

Para usar um adjetivo suave, devo dizer que a entrevista que concedeu ao Sr. Kennedy Alencar na data de ontem, 27.02.2024, me causou profunda estranheza.

Nela, ao lhe ser perguntado sobre como trataria o aniversário de 60 anos do golpe militar de 1964, afirma que o irá tratar da maneira mais tranquila possível, até porque está mais preocupado com o ocorrido em 08.01. Prossegue dizendo que já faz parte da história, já causou o sofrimento que causou.

Em ato falho diz: “os generais que estão hoje no poder” não tinham nascido. Me desculpe, Presidente, mas quem está no poder é o senhor e estou esperando que o senhor os tire do poder.

Mais adiante reconhece que não temos todas as informações sobre o que aconteceu durante os longos 21 anos em que os militares nos jantaram, porque tem gente desaparecida ainda. Se sabe que tem gente desaparecida reinstale a Comissão Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, instituída por lei e cancelada por uma canetada daquele que o antecedeu na Presidência e, com cujo nome, prefiro não sujar nem minha boca nem os olhos de quem vai me ler. Aliás, Presidente, todas as noites agradeço a Deus que o senhor o tenha tirado da Presidência.

Sou uma pessoa que obedece a quem respeita, mas me recuso a seguir seu conselho de que devemos construir o futuro e não ficar apenas remoendo o passado. O futuro é sempre resultado do passado. Ou ele é fruto do esquecimento do que aconteceu ou ele é fruto daquilo que com ele aprendemos. O que aconteceu em 08.01 é consequência direta da impunidade do que nos fizeram há 60 anos.

O Brasil tem que aprender que não pode haver desaparecidos, que a uma filha, como é o meu caso, não lhe pode ser negado ver o corpo de seu pai por ter sido barbaramente torturado e que a um irmão, como no seu caso, não pode ser negado o direito de velar seu irmão nem de se demorar no enterro do neto.

Nós não vamos esquecer o que lhe fizeram, portanto, não esqueça o que nos fizeram. Não nos menospreze, pois o ajudamos a eleger. Não nos menospreze, pois somos a resistência.

Resumindo, Presidente, mostre sua grandeza e nos peça desculpas criando a Comissão que tanto queremos. Será uma retratação à altura de suas palavras tão descuidadas e infelizes. Não fale para os generais, Presidente, fale para nós.

Respeitosamente,

Lygia Jobim
Filha de José Jobim. Integrante do Coletivo Filhos e Netos por Memória e Verdade e do Coletivo Memória, Verdade, Justiça e Reparação.


Vítimas da ditadura criticam fala de Lula sobre 1964: “Desrespeito”

Às vésperas dos 60 anos do golpe de 1964, Lula afirmou que não ficará remoendo o episódio e que a ditadura “já faz parte da história”

Vítimas da ditadura que tiveram papel fundamental para a busca da verdade e para a preservação da memória sobre o período expressaram decepção com as falas de Lula sobre os 60 anos do golpe de 1964, a serem lembrados em 31 de março. O presidente disse, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, na terça-feira (27/2), que não ficará “remoendo” o episódio e que o regime militar “já faz parte da história”.

“O Lula não poderia ter falado isso. Ele tem que reconhecer a história desse país. Tem que reconhecer que houve resistência da nossa parte. Muitos companheiros e companheiras que almejavam a democracia foram assassinados pela força da repressão militar”, afirmou Amelinha Teles, ex-presa política e ex-integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos.

Edoardo Ghirotto

 atualizado 

Lula havia prometido na campanha que recriaria a Comissão Especial de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta por Jair Bolsonaro nos últimos dias de governo, mas o Palácio do Planalto engavetou o assunto.

“A ditadura faz parte da história, mas de uma história que não foi escrita. A verdade sobre ela não foi contada. As consequências do golpe de 1964 continuam presentes na sociedade, haja vista a tentativa de golpe do 8 de Janeiro”, lembrou Teles.

Diva Santana, outra ex-integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos, disse que a fala de Lula foi infeliz e que o Planalto nem sequer respondeu aos pedidos de audiência solicitados pelos familiares de vítimas da ditadura. “É muito descaso e desrespeito à cidadania e aos direitos humanos. Os familiares dos combatentes ao regime militar repudiam e não compreendem aonde o presidente quer chegar”, declarou Diva, que é irmã de Dinaelza Santana, uma das integrantes da guerrilha do Araguaia executadas pelo regime militar.

Ex-deputado federal e filiado ao PT desde 1982, Gilney Viana ficou preso por aproximadamente dez anos durante a ditadura. Ele disse que Lula está equivocado ao desconectar o 8 de Janeiro do golpe de 1964. “É preciso moer e remoer o golpe de 1964 até ele virar uma farinha. É preciso criar uma memória coletiva negativa do golpe. Só assim as tentativas de golpe não se repetirão”, declarou Viana. “Deixar esse tema morrer é matar de novo aqueles que morreram torturados. [O 8 de Janeiro] foi uma repercussão tardia da visão de tutela do Estado pelos militares ou do fato de que os militares devem opor vetos a determinados temas, como a memória e a verdade”, prosseguiu.

Ex-presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva, o ex-deputado Adriano Diogo afirmou que a declaração de Lula é consequência da posição do STF de não revisar a Lei da Anistia. A decisão, tomada em 2010, manteve o perdão a militares que cometeram torturas e assassinatos na ditadura.

“[A declaração do Lula] não é um fato isolado. É a posição do governo brasileiro”, disse Diogo, que foi preso e torturado pela ditadura e é filiado ao PT desde a fundação do partido. “Essa interpretação da Lei da Anistia é a morte dos direitos humanos no Brasil. Foi em decorrência dessa decisão do STF que vieram todas as decisões de governos, como o esvaziamento da Comissão da Anistia e a extinção da Comissão de Mortos e Desaparecidos.”

Mais de 150 entidades que integram Coalização Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia repudiaram, nesta quarta (28/2), as falas de Lula sobre a ditadura. Entre elas está o Instituto Vladimir Herzog e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Conteúdo de https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/vitimas-da-ditadura-criticam-fala-de-lula-sobre-1964-desrespeito