Depois da sentença da Corte Interamericana sobre Vladimir Herzog, ressurge a esperança de que a morte de Anísio Teixeira também seja investigada
Nascido a 12 de julho de 1900, na Bahia, o educador Anísio Teixeira desapareceu no dia 11 de março de 1971, na cidade do Rio de Janeiro. Seu corpo foi encontrado na tarde do dia 13 de março do mesmo ano, no fundo do fosso de um elevador na Rua Praia de Botafogo, 48. Já está definitivamente provada a falsidade da versão da ditadura, segundo a qual teria caído acidentalmente no fosso do elevador
Pelo visto, a partir do início de 1971 ocorreu uma concentração especial dos setores de inteligência da ditadura na busca do ex-capitão Carlos Lamarca, que havia desertado, juntamente com outros militares, em 24 de janeiro de 1969, levando armas do quartel do Exército, em Jitaúna- SP, para a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização clandestina de combate à ditadura da qual o ex-capitão fazia parte.
Lamarca foi considerado o responsável pelo planejamento e execução do sequestro do embaixador da Suíça no Brasil, Giovanni Bucher, ocorrido em 07 de dezembro de 1970, e libertado, 40 dias depois, a 16 de janeiro de 1971, no Rio de Janeiro, após haverem embarcado para o exílio, no Chile, 70 prisioneiros políticos cuja liberdade foi pedida em troca do embaixador. De fato, esse foi um dos episódios mais desmoralizantes vividos pelo regime militar, daí o empenho prioritário das forças repressivas, não somente do Brasil, mas de todas as ditaduras instaladas no Cone Sul, no sentido de buscar e eliminar Lamarca.
Após dois meses do desfecho do sequestro do embaixador suíço, Lamarca desligou-se da VPR, em 22 de março de 1971, para ingressar no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), a organização da qual fazia parte Stuart Angel Jones. A prisão desse último era um trunfo para os militares, portanto, na medida em que poderia fornecer as informações para a localização de Lamarca. Assim, a investida sobre Stuart foi violenta., a ponto de ter levado a sua morte, na Base do Galeão, da Aeronáutica, em 14 de maio de 1971.
Por outro lado, verifica-se uma conexão entre Anísio Teixeira e o Chile, país onde morou, em parte do anos de 1966, encarregado de realizar a grande reforma da Universidade Nacional daquele país. Naturalmente, os contatos de Anísio com a Universidade continuaram, pois a reforma universitária que implantou fora muito extensa, e deveria incluir acompanhamento a médio prazo, de modo que não se pode descartar a hipótese de que, em 1971, contatos dele com o Chile ainda pudessem estar em curso.
Anísio morreu – hoje se sabe com certeza- no dia 12 de março de 1971. Diante dessa informação, existe grande probabilidade de queele tenha sido interrogado na Aeronáutica, após seu desaparecimento, no dia 11 de março daquele ano. A hipótese é confirmado por afirmações insuspeitas, quase coincidentes,de dois acadêmicos, ambos amigos, tanto de Anísio quanto de autoridades do regime militar, a saber, do ex-governador baiano Luiz Viana Filho e do poeta e educador mineiro Abgar Renault. Segundo eles o educador esteve sob interrogatório na Aeronáutica, no Rio, no momento em que, pela versão oficial, já teria caído para a morte, no elevador do prédio onde Aurélio Buarque de Holanda Ferreira residia, na Rua Praia de |Botafogo, no Rio de Janeiro.
Merece atenção a ligação de Anísio com o Chile, na investigação sobre sua morte, notadamente porque, próximo ao momento em que ela se deu, ocorria grande intensificação das ações repressivas no Brasil, em função do empenho da ditadura militar na localização e eliminação de Carlos Lamarca, cuja então recentíssima ação no sequestro do embaixador Bucher impôs que os resgatados fossem exatamente mandados para o Chile. Logo depois do sequestro, esse país passou a estar, portanto, no centro das investigações conjuntas das forças repressoras do Cone Sul.
Antes, em janeiro de 1971, a prisão e morte de Rubens Paiva, sob tortura, aconteceu em decorrência da detenção de duas senhoras brasileiras, quando voltavam de uma visita ao Chile, para o Rio de Janeiro, trazendo correspondências para serem a ele entregues. O assassinato de Paiva ocorreu imediatamente à chegada das duas amigas dele, em consequência das bárbaras torturas que lhe foram infligidas em instalações militares, no Rio de Janeiro, entre 21 e 22 de janeiro de 1971, segundo apurou a CNV. A circunstância da morte de Rubens Paiva reforça a existência do esquema de ação coordenada das forças repressivas com atuação no Cone Sul, antes mesmo da oficialização da terrorista Operação Condor, feita pela ditadura chilena de Pinochet (1973-1990).
Menos de dois meses depois da morte de Rubens Paiva, ocorre a morte de Anísio, isto é, a 12 de março de 1971, Anísio Teixeira, que também fora interrogado em instalação militar, segundo as citadas informações de Luiz Viana Filho e Abgar Renault, provavelmente da Aeronáutica, no Rio de Janeiro.
Portanto, acredita-se que a conexão entre a caçada a Lamarca e as mortes dos três atingidos, no início de 1971, a saber, Rubens Paiva (janeiro), Anísio Teixeira (março)e Stuart Angel Jones (maio), que possuíam relações com o Chile, todas ocorridas no primeiro semestre de 1971, talvez mereça uma atenção especial, na continuidade da investigação que vise ao completo esclarecimento da morte de Anísio Teixeira.
A propósito, consta em recente publicação (1917) do Ministério Público Federal, intitulada Crimes da Ditadura Militar, na página 205, uma nota de pé de página que cita a seguinte informação, contida na obra A hora do lobo, a hora do carneiro (1989), :da autoria do médico Amílcar Lobo, conhecido colaborador da ditadura que atuava diretamente no acompanhamento das torturas (v. LOBO, Amilcar . A hora do lobo, a hora do carneiro. Petropólis, RJ, Vozes, 1989, p. 34-35).
No retorno ao Rio, ainda segundo Lobo, o denunciado Sampaio (Rubens Paim Sampaio) lhe disse que: “Existiria uma ordem do próprio ministro do Exército para que todas as pessoas que abandonaram o país, principalmente as que escolheram o Chile como refúgio, deveriam ser mortas após esclarecerem devidamente as atividades terroristas do grupo a que pertenciam antes da evasão. Assim, o CIE (Centro de Inteligência do Exército), copiando um modelo montado pelos próprios indivíduos da esquerda atuante, montou aquele ‘aparelho’ em Petrópolis, onde os presos eram interrogados e, posteriormente, mortos. Concluiu, dizendo-me que a mulher que eu havia operado fizera um acordo com eles para gravar um video-tape, mostrando-se muito arrependida de suas atividades subversivas e condenando radicalmente as ideias apregoadas pelo comunismo. A chefiado CIE aprovou com entusiasmo este acordo e decidiu poupar a jovem”.
O torturador acima citado, o então major do Exército Rubens Paim Sampaio, deu depoimento ao MPF, em cuja publicação acima referida, em nota de pé da página 203, afirma que ele “trabalhou no CIE a partir de 1969/1970 e até 1976. Até aproximadamente 1973, ficou servindo no CIE do Rio de janeiro, depois passou a servir no CIE de Brasília”. Segundo a ficha do cadastro de movimentações de Rubens Paim Sampaio, o denunciado esteve lotado no gabinete do ministro do Exército, no Rio de Janeiro, entre 4 de agosto de 1970 e 10 de julho de 1974.
A informação recente, de Matias Spektor , obtida nos arquivos da CIA, segundo a qual os próprios presidentes da república militares era quem ordenava a execução de “inimigos” do regime, torna verossímeis todas as suspeitas de mortes não explicadas no período que vai de Garrastazu Médici a João Figueiredo, passando por Ernesto Geisel, inclusive a de Anísio Teixeira.
Dado que Anísio Teixeira foi interrogado na Aeronáutica, no Rio, em março de 1971, o fato de não ter o que informar, na medida em que não pertencia a qualquer organização de esquerda, torna-o ainda mais vulnerável, no sentido de que tivesse sido considerado um dos subversivos que seguravam informações e que, por isso, deveria ser torturado e depois assassinado.
Portanto, a informação recentemente colhida nos documentos da CIA por Matias Spektor, de que teriam sido os próprios presidentes militares, Garrastazu, João Figueiredo e Geisel, que ordenaram as torturas e matanças de adversários do regime ilegal, imposto em 1964, vem de ser corroborada pela declaração do então major, torturador confesso, Rubens Paim Sampaio contida na citação acima. Segundo ela, o major Sampaio afirma, em depoimento, era o próprio ministro do Exército que repassava aos torturadores a ordem de assassinato de todos os militantes políticos que tivessem passado pelo Chile, após, sob tortura, terem fornecido informações sobre suas organizações políticas.
A recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que obriga governo do Brasil, por conta de acordo internacional do qual é signatário a investigar, julgar e punir a morte de Vladimir Herzog, ocorrida em 1975, dá-nos a esperança de que a morte de Anísio Teixeira também seja investigada.
Fonte – GGN