Foram tempos verdadeiramente amargos e as lembranças são tantas e tão vivas que jamais sairão da memória.
Com o advento do Golpe Militar de 64, não tivemos no Amazonas nenhum caso de tortura física infligida aos presos políticos pela ditadura. A violência extrema contra militantes amazonenses de esquerda ocorreu no Rio de Janeiro. Naquela cidade, nos primeiros momentos do movimento sedicioso, assassinaram Antogildo Pascoal Viana, presidente do Sindicato dos Estivadores do Amazonas, e lá mais tarde também desapareceu Thomaz Meirelles Neto, uma das maiores expressões da inteligência de nossa geração.Aqui, o sofrimento maior foi de ordem moral, que se estendeu das prisões à frustração permanente diante da falência de um grande e generoso projeto de libertação e desenvolvimento nacional, que mobilizava corações e mentes, com a ascensão do presidente João Goulart ao poder. É evidente que a defraudação militarista foi enorme, fruto de uma longa noite imposta ao país, que se prolongaria por anos e anos, com desalento e muita desesperança.
Alimentávamos todos, ainda muito jovens, românticos por excelência, a expectativa de um mundo novo, fraterno, igual e justo, longe das profundas diferenças sociais que ainda hoje marcam a sociedade brasileira. Com o Golpe, nas ruas e nas esquinas mal iluminadas de Manaus da época, padecemos da angústia insuportável que nos tomava conta da alma, diante da incerteza sobre o tempo que duraria a agressão às liberdades e ao estado democrático. E tudo, realmente, parecia não ter mais fim, com a truculência impondo-se sobre a ternura e com a falência da solidariedade e das relações amistosas entre os homens.
Foram tempos verdadeiramente amargos e as lembranças são tantas e tão vivas que jamais sairão da memória.
Não há como deixar de recordar o encontro que tivemos com o general Nairo Villanova Madeira, então comandante do Exército no Estado e compadre de Jango, que tinha residência oficial na Praça do Congresso, na esquina com a Ramos Ferreira, nos primeiros dias de abril de 1964. Ali chegamos, Fernando Vitalino, dirigente do Comando Geral dos Trabalhadores, Bonates, presidente do Sindicato dos Bancários, Manuel Rodrigues, vereador em Manaus do velho ‘partidão’, Jacinto Corrêa, do Sindicato da Copam, Fábio Lucena, orador do grupo, eu, que representava a Uesa – União dos Estudantes Secundários do Amazonas, e outros companheiros, todos movidos pela ideia de resistir ao golpe ditatorial.
Fomos recebidos na sacada da casa, bem cedinho, em torno das 7 da manhã, pelo próprio general, que ainda se encontrava vestindo pijama. Acolheu-nos com cordialidade e entramos com ele na pequena sala, onde havia um sistema de comunicação por fonia, permanentemente ligada, com a qual o militar acompanhava os acontecimentos em Brasília e no Brasil. Assim, monitorava, segundo a segundo, a derrocada do regime constitucional e a deposição de seu compadre-presidente.
Tomando a palavra, Fábio Lucena, com a coragem e a eloquência que lhe caracterizavam, anunciou que estaríamos deflagrando uma greve geral de trabalhadores e estudantes. E, a partir daquele momento, o movimento fecharia o porto e o aeroporto de Manaus, isolando o Estado do restante do país. Era a resistência que oporíamos no coração da Amazônia ao golpe de direita no Brasil.
Nairo Villanova, embora mantendo a tranqüilidade, foi incisivo: “A propósito, além de estar de pijama, já sou um general de pijama. Quero sair daqui já na condição de general da Reserva, sem maiores problemas, recolhendo-me ao silêncio. Não tem mais jeito, perdemos a guerra, Jango está a caminho do Uruguai. Tudo bem, a decisão não é minha, mas quero avisá-los de que reprimirei qualquer ação de resistência, e reprimirei com as armas que se fizerem necessárias. Por favor, não me criem maiores dificuldades. Insisto, perdemos a guerra, esta é a realidade”. E encerrou a reunião.
Foi assim que o general progressista, que sempre esteve ao nosso lado nos embates contra o segundo governo de Plínio Coelho, pôs um ponto final em todas as nossas expectativas de combate ao Golpe de 64. Saímos do encontro cabisbaixos, um tanto quanto perdidos, sem rumo, mas, ainda assim, naquela ocasião nunca poderíamos imaginar que a violência institucional e a crueldade contra o ser humano tomaria conta da Nação durante tanto tempo. E Nairo Villanova foi transferido para a Reserva pelo Ato nº. 3, de 11 de abril de 1964, pelo Comando Supremo da Revolução, ao lado de tantos outros militares patriotas.
Fonte – D24am