Generais punidos

Em decisão histórica, Justiça argentina pune ex-ditadores pelo sequestro de bebês de presas políticas desaparecidas na repressão

As Avós da Praça de Maio, organização humanitária que procura crianças desaparecidas quando bebês, durante a ditadura militar na Argentina (1976-1983), finalmente puderam comemorar a condenação do general Jorge Rafael Videla (presidente até 1981) a 50 anos de reclusão, pelo roubo “sistemático” de filhos de presos políticos.

Foram as próprias ativistas que denunciaram a “subtração, retenção, ocultação e substituição de identidade de menores de 10 anos”, num processo iniciado em 28 de fevereiro de 2011 e que abrange, oficialmente, 35 casos. A sentença histórica, que impede Videla, 86 anos, de pedir liberdade condicional, somou-se a duas penas que o ex-ditador cumpre por crimes contra a humanidade, tornando sua prisão perpétua. Alguns netos recuperados pelas Avós, além de parentes de desaparecidos e membros da organização — inclusive a líder, Estela de Carlotto, que estava no tribunal — comemoraram com gritos a decisão.

Para Estela, ouvir a condenação de Videla causou “um sentimento de satisfação, porque a sentença confirma e esclarece que houve na Argentina um plano sistemático de roubo de bebês”. Ela ainda procura o próprio neto, Guido, filho de Laura Carlotto, que foi executada e teve o corpo entregue à família. As penas foram um presente de aniversário para Francisco Madariaga Quintela, que completou 35 anos ontem. “Foi uma condenação exemplar”, celebrou. Sequestrado pelo casal Víctor Gallo e Susana Colombo, o jovem soube há apenas dois anos que era filho de Silvia, uma mulher que desapareceu aos 28 anos. Gallo foi condenado a 15 anos de reclusão e Colombo, que lamentou “não ter agido de outra maneira”, a cinco.

A deputada Victoria Donda, uma das crianças roubadas que recuperou a identidade verdadeira, considerou o resultado satisfatório. “Isso não repara apenas as vítimas, seus familiares e seus amigos, mas toda a sociedade. A sentença de hoje será um triunfo coletivo”, comemorou Victoria, que nasceu em um centro de tortura. O general Reynaldo Bignone, 84 anos, que comandou a junta militar de 1982 a 1983 — o período final da ditadura —  foi condenado a 15 anos de detenção pelo sequestro de crianças. Outros oito acusados receberam penas de 15 a 40 anos de reclusão no Tribunal Oral Federal nº 6, presidido pela juíza María Roqueta.

Investigados há 15 anos, os casos de “apropriação” chegariam, na verdade, a 400. Entre os 35 julgados, 28 filhos de opositores à ditadura nascidos entre 1975 e 1980 conseguiram descobrir quem realmente eram. No total, porém, o número de netos recuperados chega a 105. Na semana passada, Videla depôs no tribunal e negou que houvesse um plano de roubo de crianças nos centros de tortura. “As grávidas eram ativistas e usaram seus filhos embrionários como escudos humanos”, acusou, segundo o jornal argentino Clarín.

A defesa de todos os acusados admitiu que houve apropriação de recém-nascidos, filhos de mulheres que estavam em centros clandestinos de detenção. Os advogados, contudo, tentaram mostrar que haviam sido casos isolados, em vez de algo orquestrado pela ditadura. Até hoje, três indiciados pelo roubo de bebês estão foragidos. Um deles é o capitão Jorge Vildoza, marido de Ana María Grimaldos, 76 anos, que foi presa na quarta-feira passada.

Livro

Videla admitiu no livro Disposição final, do jornalista argentino Ceferino Reato, que “de 7 mil a 8 mil pessoas devem ter morrido” na repressão a esquerdistas no período ditatorial. A expressão “disposição final”, de acordo com o ex-ditador, significava que um dos presos políticos tinha sido assassinado. Afirmando não se arrepender das mortes, ele considera que a atitude do regime militar era necessária “para a Argentina não se tornasse um país subversivo”. O ex-general está detido na Unidade 34 do Serviço Penitenciário do quartel de Campo de Mayo desde dezembro de 2010. Bignone também já foi condenado à prisão perpétua e a 25 anos de detenção, em ambos os casos por violações dos direitos humanos cometidos ao longo dos sete anos de ditadura.

Benefício tadio

Na Argentina, um preso tem direito a pedir a liberdade condicional após cumprir pelo menos 20 anos de reclusão. Entre idas e vindas de casa para a cadeia, o general Jorge Videla já passou quase 20 anos no cárcere desde 1984, quando pela primeira vez a Justiça argentina julgou altos oficiais por crimes contra os direitos humanos cometidos durante a ditadura. Parte desse período de reclusão, iniciado em 1998, foi cumprida em prisão domiciliar — justamente pelo sequestro de menores, considerado crime de lesa-humanidade.

 

Fonte – Correio Braziliense

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