O professor aposentado e ex-preso político Valter Pinheiro foi ouvido ontem pelo Comitê Cearense pelo Direito à Memória, à Verdade e à Justiça (CDMVJ). Em depoimento no Complexo das Comissões da Assembleia Legislativa, ele disse que foi torturado por agentes do governo nas duas vezes em que esteve preso no período da ditadura militar (1964-1985). A gravação do depoimento será entregue à Comissão Nacional da Verdade, que investiga os crimes cometidos durante a ditadura.
Valter Pinhheiro começou a militar ainda na adolescênciaNascido em 1944, em Fortaleza, Pinheiro começou a militar na esquerda ainda no fim da adolescência. De formação marxista, conta que sua atuação política começou quando era estudante do Liceu do Ceará. Lá, conheceu Frei Tito de Alencar, que teve grande importância em sua formação ideológica. “Quando veio o regime militar, nós do Liceu demos uma contribuição enorme nessa luta (contra a ditadura)”, relata Pinheiro.
Depois, foi estudar na então Faculdade de Filosofia do Ceará, que deu origem à Universidade Estadual do Ceará (Uece). Entrou para o grupo Guarda Vermelha, que se dedicava a estudar obras de autores comunistas. O grupo evoluiu e tornou-se o Movimento Comunista Internacionalista (MCI), que fazia tiragem de panfletos e reproduzia livros considerados subversivos pelo regime.
Após racha no grupo, Pinheiro deixou o MCI e entrou para o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). “Não queríamos só a queda da ditadura e a volta da democracia. Nossa luta era para a tomada do poder”, explica. Foi então que foi preso pela primeira vez.
De acordo com ele, a casa onde morava, no bairro Monte Castelo, foi invadida por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), que diziam estar à procura do “farto material subversivo”. Mesmo não encontrando nada comprometedor, na versão de Pinheiro, o levaram para o 23º Batalhão de Caçadores, no Bairro de Fátima, onde ficou isolado em uma cela. Certa noite, conforme o relato, foi levado por agentes do Dops a uma sala e teve o rosto encoberto por um capuz. “Lá começou a sessão de pancadaria”, pontua. “Mas em relação ao que outros companheiros passaram, pancadaria era considerada coisa simples”, compara.
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Valter Pinheiro acredita que o lugar para onde era levado (ele não tem certeza porque ia encapuzado) é a chamada “casa dos horrores”, que fica em Maranguape.
Ao que tudo indica, baseado em relatos de outros presos, era lá o principal ponto de tortura dos presos políticos de Fortaleza.
O Comitê Cearense pelo Direito à Memória, à Verdade e à Justiça (CDMVJ) foi criado em 2011 com o objetivo de acompanhar, no Estado, os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.
A Comissão de Direito Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa apoia o CDMVJ e realiza, às quintas-feiras, reuniões com a presença de entidades e ex-presos políticos, por exemplo.
A deputada Eliane Novais, que preside a comissão e é também membro do CDMVJ, diz que o depoimento foi “um momento histórico” e que a gravação será entregue à Comissão Nacional da Verdade, em reunião no dia 30 deste mês.