Foto localizada pelo GLOBO revela: preso chegou ao Dops vivo

Imagem inédita mostra engenheiro após ser detido por agentes da repressão

Raul Amaro ainda vivo após a prisão em agosto de 1971; ele morreu em decorrência de torturas no DOI-Codi

Uma foto dos órgãos de informação da ditadura, liberada agora pelo Arquivo Nacional, comprova que um militante de esquerda — o engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira — foi preso pelos agentes do Dops, no Rio, em 1º de agosto de 1971, com sua integridade física e saúde preservadas. Onze dias depois, foi entregue morto para sua família, com marcas de tortura. A família de Raul não tinha conhecimento da existência dessa foto.

Raul Amaro morreu aos 27 anos e era o mais velho de uma família de nove irmãos. Preso por agentes do Dops em seu carro, junto com outros dois companheiros, foi levado no dia seguinte para o DOI-Codi, no quartel da Polícia do Exército, na Tijuca. Torturado, foi levado às pressas para o Hospital Central do Exército, onde morreu. Os militares devolveram o corpo à família, mas se calaram sobre as razões de sua morte.

Na época, foi publicada em jornal uma nota sobre a morte. Dizia que Raul era um subversivo, ligado a terroristas. Na foto, revelada agora, ele aparece de barba, sentado, de frente e de lado. Uma placa traz a informação de que a imagem foi feita no Dops da Guanabara, no dia 1º de agosto de 71. A folha que consta a foto traz a data do falecimento: 12 de agosto de 1971.

A família entrou na Justiça, em 1979, e conseguiu, quinze anos depois, a sentença definitiva que considerou o Estado culpado por sua morte. A família dispensou a indenização que poderia ter sido deferida pela Comissão da Anistia. O depoimento de um soldado que viu Raul ser torturado no DOI-Codi foi fundamental para ganhar a causa. Raul era funcionário do Ministério da Indústria e Comércio e conseguiu uma bolsa de estudos na Holanda, mas nem chegou a usufruí-la.

Em agosto do ano passado, a família realizou um ato em memória aos 40 anos da morte de Raul, na PUC, no Rio, onde ele se formou em engenharia mecânica. Pedro Nin Ferreira, irmão do ex-militante, recebeu nesta terça-feira a foto localizada pelo GLOBO.

— Na imagem, ele está visivelmente surpreso, assustado com a prisão arbitrária e, com certeza, não fazia ideia do que estava lhe esperando: câmaras de tortura organizadas no quartel da Polícia do Exército e o leito de morte no Hospital Central do Exército (HCE), onde a família foi receber o corpo. Em muitos outros casos, nem se viu o corpo — lamentou Pedro Ferreira.

Os documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) descrevem Raul como militante do MR-8 e que sua casa funcionava como aparelho desse grupo. Na sua residência, diz o SNI, foram apreendidos diversos materiais, “se destacando farta literatura comunista e documentos de organizações esquerdistas”.

Marcelo Cerqueira, advogado de diversos presos políticos na época, foi contatado pela família de Raul assim que ele foi preso. Cerqueira chegou a entrar com um pedido de habeas corpus, mas o engenheiro não resistiu às torturas durante o processo.

— Ele não tinha propriamente uma militância. Quando era estudante universitário, Raul trabalhou em um jornal da PUC que denunciava vários crimes da ditadura. Após a formatura, alugou um apartamento pequeno em Santa Tereza. Ele ia casar. Lá, Raul guardou um mimeógrafo a pedido de um militante do MR-8 e parece que foi preso em função disso.

 

Fonte – Globo

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