Tais tentativas encontram-se não só nas histórias “oficiais” — que ainda hoje
criminalizam esses combatentes — mas também em uma certa lógica policial
individualizante que culpabiliza exclusivamente o sujeito, isolando-o de seus inúmeros atravessamentos sócio-políticos, históricos etc.
Esta lógica policialesco-individualista — que denigre e mancha a memória de alguns companheiros — encontra-se presente em dois livros que falam de nossa história recente: “Desafia o nosso Peito” de Adail Ivan de Lemos e “Um Tempo para Não Esquecer” de Rubim Santos Leão de Aquino.
Utilizando-se do mesmo modo de pensar que o Estado ditatorial brasileiro quando
classificava os resistentes como “inimigos do regime”, os autores citados fazem uso de categorias tais como: “infiltrados, dedos-duros, X-9, cachorros, colaboradores, traidores,delatores”, dentre outras. Em especial, no livro “Desafia o Nosso Peito” há tabelas ridículas que nomeiam os presos políticos — muitos já mortos e desaparecidos — que à época “abriram, delataram, colaboraram, traíram e se infiltraram”, dentre outras afirmações perigosas e, mesmo, estarrecedoras. Lembram-nos em muito, os documentosditos sigilosos, confidenciais e secretos da repressão.
Para que e a quem servem tais desinformações? O que elas produzem,especialmente no momento atual quando o governo brasileiro é condenado pela OEA e se instala uma Comissão da Verdade consentida? Como ficam os familiares e amigos dos
companheiros citados nesses livros vendo-os enquadrados nas categorias apresentadas?
Embora a Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ à época, Cecilia Coimbra, tenha prefaciado o livro “Um Tempo Para Não Esquecer”, de Rubim Aquino, a gravidade de tal lógica — presente no capítulo “Colaboradores, Infiltrados e Informantes do Regime Ditatorial” — passou, lamentável e infelizmente, despercebida.
Por este motivo e através desta Nota, a atual Vice-presidente do Grupo Tortura
Nunca Mais/RJ, Cecilia Coimbra, vem a público comunicar que retira seu prefácio
do livro do Prof. Aquino para as próximas edições.
O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ entende que tal lógica policialesca em nada se
diferencia dos discursos belicistas, acusatórios e difamatórios com os quais nos
confrontamos ao longo dos últimos 40 anos, advindos dos setores mais conservadores da sociedade brasileira.
Sendo assim, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ reafirma sua posição de cuidado e respeito ao falar de nossa história, de seus personagens e utopias, do que aconteceu,quando aconteceu, como aconteceu, bem como quanto a identificação dos responsáveis pelas violências então cometidas. Tudo isso implica em pensar a história de um outro modo, como uma postura ético-política, em especial para com aqueles que não estão mais entre nós para testemunhar os horrores pelos quais passaram.
É a ditadura civil-militar e seu terrorismo de Estado que devem ser investigados,esclarecidos, publicizados e responsabilizados!
Pela Vida, Pela Paz
Tortura Nunca Mais!
Diretoria do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
Rio de Janeiro, 07 de maio de 2012.
Publicado em: 07/05/2012