Não mais é possível conviver aceitando esta distinção, principalmente na exposição que a mídia faz na diferenciação dos dois modelos.
Enquanto a “reforma agrária”, assim descrita sem maiores explicações vem sendo combatida como ineficiente, a bancada ruralista vem obtendo triunfos políticos não só em nível do Código Florestal, mas também obtendo generosos financiamentos no desenvolvimento do crédito as “commodities”.
Empresas estrangeiras vêm se apossando através de participações societárias com brasileiros, de grande parte destas áreas aonde a monocultura empresarial vem obtendo resultados de produção diante da pífia produção da agricultura familiar, sem tecnologia nem orientação planejada da cadeia produtiva.
Ocorre que, o que está acontecendo no Brasil é uma mera distribuição de terras, e não uma reforma agraria propiamente dita, colocando-se contingentes humanos longe dos centros de consumo e sem a mínima assistência gerencial e de planejamento.
A reforma agrária tomou um caminho distinto ao que Jango em 1964 propunha ao país.
Reforma agrária não é somente dar um lote de terra ao “assentado” e esperar que esta família venha a competir com a alta tecnologia desenvolvida pelos “produtores rurais”.
A reforma agrária significa muito mais que isto. Ela deve vir acompanhada de planejamento de produção, capacitação do agricultor, estudo de mercado, escoamento de produção, assistência técnica e extensão rural, irrigação, preparo de solo e principalmente conhecimento e preço mínimo do mercado consumidor.
A distribuição creditícia na agricultura familiar deve começar a mensurar também um tipo de “investimento” no homem, ou seja, na capacitação da família que hora vai tornar-se um “novo agricultor familiar”, e fornecer como prioridade a assistência técnica e extensão rural que hoje se encontram prioritariamente a serviço dos grandes produtores, como a EMBRAPA e as EMATERs.
É claro que sem estes condicionantes, que farão o agricultor familiar começar a produzir e competir no mercado, continuaremos a ter estes contingentes humanos “assentados” e “desassistidos” terem como prioridade não a produção, e sim a sobrevivência, desmatando para vender lenha e cozinhar, agredindo o meio ambiente ou até cedendo parte de sua terra novamente ao latifúndio de produção pecuária ou monoculturista.
A reforma agrária tem que vir para o “novo produtor familiar” trazendo terra, é lógico, mas também escoamento, infraestrutura perto dos centros de consumo, qualificação agrícola, extensão rural, planejamento de produção mercadológica, irrigação, energia, investimentos, inclusive na sua capacitação do homem “ANTES” da amortização do crédito de investimento, seguro total do crédito de custeio, assistência técnica e principalmente prazo longo para sua verdadeira inserção na terra e no seio da produção familiar.
Este “APARTHEID” que estamos produzindo entre nossos dois tipos de produtores rurais, o empresarial e o familiar, entre MDA e MA, entre a mídia das “ocupações” de terras e as “assunções empresariais” inclusive por estrangeiros através de compras de territórios imensos de nossa soberania, é o que devemos moldar , com outros olhos e ações o desenvolvimento da nossa produção rural.
Em 1964 foi derrubado um governo que propunha a reforma agrária não nas grandes áreas longe dos mercados consumidores como hoje vemos em várias partes do país, mas sim nas áreas onde os investimentos públicos as tinham valorizado através de asfalto, ferrovias e açudes para o desenvolvimento de todos, à beira das estradas federais, à beira das barragens e à beira das ferrovias federais, perto dos centros de consumo e com escoamento propício.
Se em 1964 quando Jango propunha a reforma agrária, com 70% da população brasileira (65.000.000 de habitantes) morando no campo já se fazia difícil esta reforma, imaginem hoje onde apenas 25% dos nossos habitantes(195.000.000) permanecem alí residindo.
Atualmente, seriam os desempregados urbanos desses grandes centros,que retornariam para a “agricultura familiar”. O que torna imprescindível a qualificação deste contingente de seres humanos que passam a serem esquecidos nos assentamentos.
A história tem suas nuances, demora, mas a verdade aparece. 2014 não será somente o ano da Copa do Mundo. Teremos que refletir por que houve o golpe de Estado de 1º de abril de 1964 e por que continuamos a discutir a reforma agrária, a educacional, a da saúde pública, a tributaria, a política, a bancaria e, ultimamente, até a remessa de lucros que jazia esquecida, com a crise europeia terá que ser desenterrada.
Não podemos continuar a ser um país agrícola essencialmente exportador da monocultura, podemos, com investimento no homem da “agricultura familiar”, passar a produzir especiarias, fruticultura, hortigranjeiros e darmos dignidade àqueles que necessitam voltar á terra para desafogar o desemprego dos cinturões das grandes cidades.
Vamos investir no homem, reformar o homem, e transformá-lo de fato, em nosso agricultor familiar.
Por João Vicente Goulart – Diretor do Instituto João Goulart