Vinte e sete anos após o fim da ditadura, o Judiciário brasileiro ainda não condenou em caráter definitivo qualquer agente do Estado envolvido em torturas, sequestros e assassinatos durante o regime (1964-1985), encerrado com o saldo de 475 mortos e desaparecidos políticos.
Vítima. Maria Amélia Teles recebeu a visita dos filhos pequenos na sala de tortura. Foto: Isadora PamplonaOs responsáveis por esses crimes, e também por um incalculável número de pessoas seviciadas e presas arbitrariamente, permanecem impunes. Não se tem notícia de um único e escasso torturador que tenha amargado uma passagem na cadeia ou ressarcido os cofres públicos pelas reparações pagas pelo governo às vítimas. E nem se fale de seus mandantes. As raras sentenças condenatórias em primeira instância foram sempre reformadas nas cortes superiores. A impunidade prevaleceu, enquanto o Brasil era condenado em tribunais internacionais pela sua omissão em relação a graves violações dos direitos humanos. Mas, ainda que tardiamente, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem uma excelente oportunidade para começar a mudar esse cenário de deliberada, imperdoável amnésia.
Na terça-feira 7, os desembargadores da 1ª Câmara de Direito Privado vão analisar uma apelação interposta pelo coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi paulista, órgão de repressão da ditadura. Há quatro anos, o juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível, responsabilizou Ustra pelas sistemáticas torturas sofridas por três integrantes da família Teles entre 1972 e 1973. Trata-se de uma ação declaratória, sem pedido de indenização. “Quero apenas que a Justiça reconheça Ustra como torturador”, afirma Maria Amélia de Almeida Teles, uma das autoras da ação.
A expectativa é grande. Esta será a segunda audiência marcada pelo Tribunal de Justiça para avaliar o caso. Na primeira, realizada em maio, o jurista Fábio Konder Comparato fez a sustentação oral em nome da família Teles, mas o advogado do réu não compareceu. Surpreendentemente, o desembargador Rui Cascaldi, relator do processo, declarou que tinha redigido seu voto há algum tempo e, após ouvir os argumentos do jurista, adiou a sessão de julgamento. “Certamente, ele já havia decidido pela absolvição de Ustra. Resta saber se vai mudar o voto ou, ao contrário, deve fundamentar melhor a sua sentença”, diz Maria Amélia, um tanto apreensiva com as idas e vindas do processo que move desde 2005. “Nunca uma Corte superior manteve a condenação contra um torturador. Se isso ocorrer, será um dia histórico.”
Fonte – Carta Capital