Para que criar uma Comissão da Verdade? Para reforçar o Estado Democrático de Direito e para que nunca mais aconteça o que aconteceu durante a ditadura. A questão formulada pelo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, na tarde de segunda-feira, durante o anúncio dos cinco nomes que comporão a Comissão Estadual da Verdade, define o contexto histórico e político no qual se discutirá o que aconteceu no Brasil durante a ditadura que se seguiu ao golpe que derrubou o governo constitucional de João Goulart em 1964. Quarenta e oito anos se passaram desde então, um período ainda repleto de lacunas, omissões, esquecimentos, injustiça, dor e morte. As verdades que a comissão pretende trazer a público contam histórias de vidas que foram interrompidas, desviadas, dilaceradas e, em muitos casos, destruídas.
A Comissão da Verdade investigará violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar (1964-84)
Um dos trabalhos centrais da Comissão Estadual da Verdade, enfatizou Tarso Genro, será trazer histórias para a luz do conhecimento público. E os integrantes da Comissão farão isso organizando arquivos, tomando depoimentos, buscando documentos, pesquisando processos. Cinco pessoas foram escolhidas e aceitaram realizar esse trabalho, que não será remunerado: Aramis Nassif, Carlos Frederico Guazelli, Céli Regina Jardim Pinto, Jacques Távora Alfonsín e Oneide Bobsi. A professora Celi Pinto falou em nome dos demais integrantes da Comissão na cerimônia rápida mas carregada de emoção no Palácio Piratini: “Estamos assumindo aqui um compromisso com a memória. As futuras gerações têm o direito de conhecer a sua história”, disse, emocionada, a historiadora da UFRGS.
A luta da memória contra o esquecimento é tão antiga quanto a história da própria humanidade. O cultivo da memória é uma luta contra o esquecimento. No limite, é uma luta contra a morte. E a história do Brasil está repleta de mortes, de cadáveres sepultados ou simplesmente desaparecidos no esquecimento. “A Lei da Anistia não contempla o esquecimento”, lembrou João Victor Domingues, coordenador da Assessoria Superior do governador. Pelo menos uma parte desse esquecimento será dissolvido pelos trabalhos da Comissão Estadual da Verdade. O Decreto 49.380/2012, que cria a Comissão, define o período que será objeto de investigação: entre 1 de janeiro de 1961 e 5 de outubro de 1988. A opção pelo ano de 1961 como ponto de partida justifica-se, obviamente, pelo movimento da Legalidade, comandado por Leonel Brizola, que resistiu à ofensiva golpista que iria instaurar um período de trevas e atraso no país três anos depois.
Os cinco integrantes da Comissão terão 20 meses para trabalhar.Ao final desse prazo, deverão apresentar ao governador um relatório das atividades realizadas, com os fatos examinados, as conclusões e as recomendações da comissão. Para produzir esse relatório, poderão requisitar documentos e informações sigilosas, convocar testemunhas e solicitar a realização de perícias, diligências e outros procedimentos que julgarem necessários. Quanto da história do Rio Grande do Sul durante o período em questão (1961-1988) permanece desconhecida? Saberemos nos próximos meses. Não só quanto, mas também que partes dessa história foram contadas para sepultar a verdade. Não é pouca coisa. E é um trabalho profundamente civilizatório que nos lembrará que uma das funções do Estado, essa criação humana relativamente recente, é abrigar e cultivar a verdade.
Os nomes e os critérios da Comissão da Verdade no RS
A composição da Comissão Estadual da Verdade, anunciada ontem, durante cerimônia no Palácio Piratini, considerou os seguintes critérios: reconhecida idoneidade, conduta ética e notório saber, trajetória na área dos direitos humanos. Além disso, seus integrantes não podem exercer cargos diretivos em partidos e também não podem ter sido vitimas de violação de direitos humanos praticados por agentes do Estado durante a ditadura. No processo de elaboração do decreto que cria a comissão, o governo recebeu contribuições de ativistas da área dos direitos humanos como Marcos Rolim e de movimentos como o Comitê Popular Memória, Verdade e Justiça e o Comitê Carlos de Ré, da Verdade e da Justiça. Segue um currículo resumido de cada um dos cinco integrantes da Comissão Estadual da Verdade no Rio Grande do Sul:
Aramis Nassif – graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UPF e mestre em Direito pela Unisinos. Advogou por dez anos antes de ser nomeado juiz de Direito, em 1981. Jurisdicionou nas comarcas de Santo Augusto, Estrela e Porto Alegre. Foi membro do Tribunal Regional Eleitoral. Ingressou no TJ-RS em 1998, ocupando as funções de desembargador. Também é articulista de publicações jurídicas e autor de seis livros sobre Direito Penal e Processual Penal.
Carlos Frederico Guazzelli – formado em Direito pela UFRGS. Em 1980, foi aprovado em concurso público para assistente judiciário da Procuradoria-Geral do Estado, órgão embrionário da Defensoria Pública do Estado. Como defensor público, atuou no extinto Tribunal de Alçada e no Tribunal de Justiça. Foi Defensor Púbico Geral do Estado de 1999 a 2002. Atualmente, é professor de Direito e exerce suas funções na 5ª e na 7ª Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado.
Céli Regina Jardim Pinto – graduada em História pela UFRGS e mestre em Ciência Política. Possui doutorado em Governo pela University of Essex, Inglaterra. Tem experiência na área de Ciência Política e História, com ênfase em Teoria Política e História Política Brasileira. Atualmente, é professora permanente do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS e de Ciência da Política, na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
Jacques Távora Alfonsin – graduado em Direito pela PUC/RS, área pela qual tem várias especializações. É mestre em Direito pela Unisinos. Foi professor da Escola Superior do Ministério Público e da Ajuris, conselheiro do Instituto de Apoio Jurídico Popular do Rio de Janeiro e procurador do Estado do Rio. É advogado da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, assessor jurídico de movimentos populares e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Oneide Bobsin – bacharel em Musicoterapia e em Teologia pela instituição de ensino superior Faculdades EST/São Leopoldo. Possui mestrado em Ciências da Religião e doutorado em Ciências Sociais – Sociologia da Religião pela PUC/São Paulo. Atualmente, é professor de Ciências da Religião e reitor da Faculdades EST.
Por Marco Aurélio Weissheimer – editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)