Escritor argentino é a atração principal do A Letra e a Voz desta terça (21/8), quando conversa com Alfredo Cordiviola
Alan Pauls é a única atração internacional do evento
Uma ditadura nunca simplesmente acaba. Não só pelo que continua existindo dela posteriormente, seja como herança traumática ou lição histórica, mas também pelo papel que passa a exercer no imaginário de uma sociedade. Uma das provas disso é a possibilidade da ficção trabalhar com a realidade histórica sem desmenti-la ou repeti-la, caso do escritor argentino Alan Pauls, que vem para o Recife terça (21/8), às 18h30, conversar sobre sua obra com o professor da UFPE Alfredo Cordiviola dentro da programação do Festival Recifense de Literatura – A Letra e a Voz.
A discussão vai girar em torno do tema “Escrita em tempos sombrios”, uma referência a construção recente que Pauls vem fazendo nos seus romances que se passam no período da ditadura argentina dos anos 1970. É um debate oportuno, até por coincidir com o momento em que o Brasil tenta entender seu passado com a abertura das comissões da verdade para investigar os crimes do regime militar. Se aqui, no entanto, ainda é preciso compreender a dimensão social da crueldade do regime, o movimento do autor argentino é outro.
Em sua trilogia sobre o regime do seu país – da qual saíram no Brasil História do pranto e História do cabelo, ambos pela Cosac Naify –, Pauls deixa de lado a reconstituição da macropolítica da época. No primeiro livro, recria o contexto da época e as esperanças do populismo argentino a partir da infância e adolescência de um menino hipersensível; no outro, parte da obsessão de um personagem pela simbologia do cabelo, ou seja, pela política da imagem. “A política com letras maiúsculas não produz outra coisa que não estereótipos, fórmulas, narrativas consensuais”, explica o autor, em entrevista por e-mail aoJC.
Sua ideia, então, foi procurar nos elementos que pareciam desconectados desse tema as chaves (ficcionais, claro) de compreensão da ditadura. “Entrar na política pelas portas de serviço, por outro lado, pode revelar zonas desconhecidas de uma história que parece muito conhecida ou tornar novamente estranhas zonas que nos pareciam familiares. E – no meu caso – me permite relacionar a política e a intimidade, o histórico e o pessoal”, expõe o escritor.
Apesar disso, o que Pauls procura fazer na trilogia – o último dos três livros,História do dinheiro, já foi concluído e deve sair em breve nos países de língua espanhola – não é um relato realista, uma reportagem fidedigna. Ele explica que, para trabalhar com um trauma social como esse por meio da literatura, a investigação do passado não é suficiente. É preciso, então, superar o historicismo, trabalhar o tema também por meio da imaginação, da ficção e até do delírio. “As novas gerações frequentemente abordam o terror militar dos anos 1970 pela perspectiva de uma imaginação completamente desenfreada”, sugere. Até porque o regime não está morto ou estanque. “A ditadura volta periodicamente, como um fantasma”, define.
Fonte – Jornal do Commercio